Um discurso comum por alguns setores da sociedade brasileira é apontar o período da ditadura militar como um tempo marcado por uma forte retomada da economia, conhecido como “milagre econômico”. Embora nos primeiros 10 anos do regime, entre 1964 até 1974, a taxa média de crescimento tenha sido de quase 10%, uma análise mais esmiuçada mostra que a economia na ditadura militar foi uma tragédia.

Os dados mostram que o regime marca o início de um intervencionismo sem fim, responsável pelo agravamento de problemas que ainda marcam o debate público, como o endividamento do setor público, a falta de liberdade econômica e o aumento da desigualdade social.

A Ditadura Militar foi uma máquina de desigualdade

“É preciso crescer o bolo para depois distribuí-lo”. A frase de Delfim Netto, ministro da Fazenda entre 1967 e 1974, define a economia brasileira durante a ditadura militar.

Para Delfim, bastava o país crescer, e depois implementar programas de redistribuição de renda.

De fato, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu muito durante o governo militar. 1973 marcou o auge do “milagre econômico”, com o PIB crescendo 14%.

O PIB per capita, que divide toda a riqueza acumulada durante o período por toda a população do país, foi de US$ 261 em 1964 para US$ 1.643 em 1985

Contudo, a fatia do bolo estava longe de ser distribuída igualmente. Um exemplo frequentemente apontado na literatura foi a perda do poder de compra do salário mínimo: em março de 1964 era o equivalente a R$ 1,2 mil, mas ao final do regime, em 1985, o salário mínimo era de R$ 620, em valores atualizados. Essa é uma evidência de algumas políticas nefastas do regime, como o imposto inflacionário e a política de arrochos salariais, ambos determinados centralmente pelo governo.

Inflação como imposto

O aumento da desigualdade que ocorreu durante o regime militar não ocorreu de forma natural, mas como fruto de políticas para conter a inflação que, entre 1964 e 1984, foi em média de 64,5% ao ano.

Como toda economia era indexada, o governo determinava o valor dos reajustes salariais. Entretanto, em geral, os reajustes eram mais baixos do que a subida no nível geral de preços. Era a tentativa do governo de controlar os custos trabalhistas e o aumento futuro de preços. 

Essa prática ficou conhecida como “arrocho salarial” e significava que uma parcela menor da renda nacional ficava com os trabalhadores e uma maior com o governo.

Isso acontece porque, na prática, altas taxas de inflação funcionam como um imposto escondido e cobrado principalmente nos mais pobres, corroendo o poder de compra.

Não à toa, em 1965, a fração recebida pelo 1% mais rico era cerca de 10% do bolo total. Somente três anos depois, após medidas adotadas pela ditadura militar que causaram concentração de renda, a cifra já era de 16%.

Além disso, 70% dos trabalhadores não tiveram qualquer ganho relevante com o crescimento da renda entre 1960 e 1970.

Dessa forma, não foi apenas em decorrência do crescimento acelerado da economia iniciado em 1968 que a alta da desigualdade se deu. As medidas de ajuste do começo do período, que incluíram os arrochos salariais, foram determinantes para o aumento da desigualdade no Brasil.

A desastrosa política econômica da Ditadura Militar

Para contrabalancear o arrocho salarial, mitigar os efeitos do choque do petróleo de 1973 e diminuir os aumentos de preços, o governo emitiu dívida para subsidiar o consumo do petróleo e gasolina. Além disso, usufruiu de linhas de crédito e empréstimos.

Assim, durante a intervenção militar, o crescimento foi calcado em uma forte intervenção do governo na economia. A taxa de investimento público em relação ao PIB, por exemplo, passou de quase 15%, em 1964 para 23,3% em 1975.

Além disso, foram 274 estatais somente no período da ditadura militar, criando as bases de uma economia fortemente centralizada nas mãos do estado.

O resultado não poderia ser outro: uma explosão da dívida externa brasileira. As cifras saírem de US$ 3 bilhões em 1964 para US$ 102 bilhões em 1984, cerca de 50% do PIB à época. Isso significa que, no período, a dívida externa, cresceu nove vezes mais do que a própria economia brasileira, indicando um crescimento artificial e não sustentável.

O governo também interveio no setor financeiro. Fixou, por exemplo, limites para as taxas de juros cobradas nos empréstimos bancários: as autoridades distribuíam incentivos para os bancos que reduzissem suas taxas. Agências como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) passaram a oferecer crédito barato para financiar os investimentos do setor privado.

A ressaca da economia da ditadura militar: uma década perdida

Os governos militares, porém, não conseguiram sustentar o ritmo acelerado de crescimento da década de 1970 sem criar dificuldades no longo prazo.

Na década de 1980, conhecida como “década perdida”, a taxa média de crescimento caiu drasticamente para 2,9%. A inflação também foi um dos problemas deixados pela política econômica da ditadura.

Os governos seguintes ao regime militar tentaram por diversas formas controlar o aumento generalizado dos preços, que chegou a 2.700% em 1993.

A consequência foi a insolvência do governo brasileiro. Em 1987, o então presidente José Sarney fez um pronunciamento de rádio e TV anunciando a suspensão, por tempo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa. Na prática, o Brasil declarou a moratória, isto é, o calote da dívida, algo que influencia na credibilidade brasileira diante de investidores internacionais até hoje.

Somente a partir do Plano Real, em 1994, que houve estabilização da inflação.

Liberdade não é apenas economia

A ditadura militar brasileira foi marcada pelo crescente número de torturas, mortes e perseguições, pelo fechamento do Congresso Nacional e pelo desaparecimento de centenas de pessoas. Além, é claro, da censura, da falta de liberdade de expressão e de imprensa, além de restrições na liberdade educacional, incluindo a proibição da educação domiciliar no período, antes uma garantia constitucional.

Todos essas fatores são típicos de regimes ditatoriais e mesmo eventuais bons resultados econômicos não justificam abrir mão de liberdades individuais, muito menos atrocidades cometidas pelo regime. Apesar disso, parcela da sociedade ainda pormenoriza essas questões se apoiando em um suposto bom desempenho econômico.

Todavia, mesmo que se admita — apenas para melhor argumentar — que um bom desempenho na economia justificaria o regime militar no Brasil, a hipótese não se sustenta. Afinal, como vimos, o legado da economia na ditadura militar brasileira foi mais marcado por um crescimento pautado em intervenções governamentais artificiais e insustentáveis, pelo forte crescimento da desigualdade social e por pavimentar o caminho para uma década perdida, marcada por calotes, desemprego e hiperinflação.

Luan Sperandio é Head de Conteúdo do Ideias Radicais; Renan Torres é graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Espírito Santo

Fonte: Ideias Radicais

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