O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) é uma muleta comum do debate público apontado por parte da esquerda para resolver os problemas econômicos. Com a crise do coronavírus, a história não é diferente.

A elaboração pelo Congresso da Argentina de um projeto de lei que estabelece um imposto único a grandes fortunas para financiar a campanha social e de saúde contra a pandemia do novo coronavírus gerou impactos no Brasil: aqui há pelo menos quatro projetos de lei em tramitação no Senado Federal que visam a taxação de grandes fortunas, sendo dois deles foram apresentados após o início da pandemia do coronavírus. Se os Argentinos podem tributar grandes fortunas de ricos para ajudar nessa crise, por que não nós?

Entre as causas que justificariam a política, consta que a crise decorrente do coronavírus reduzirá a arrecadação do estado brasileiro. Contudo, há um baixo potencial arrecadatório ao se instituir esse tipo de legislação no Brasil: cerca de R$ 6 bilhões ao ano, segundo projeção da Consultoria do Senado. O rombo esperado para 2020, porém, supera os R$ 500 bilhões.

Ironicamente, diversas outras propostas que trariam maior equilíbrio fiscal neste momento de crise não são apoiadas com o mesmo vigor pelos apoiadores do imposto sobre grandes fortunas, como uma reforma administrativa que combata privilégios do funcionalismo público.

A Constituição possibilita haver um imposto sobre grandes fortunas, mas e daí?

Um argumento comum a favor do imposto sobre grandes fortunas é que a tributação já tem previsão constitucional, faltando apenas a aprovação de uma lei complementar o regulamentando para que ele passe a vigor, algo que nunca ocorreu em mais de 30 anos.

Mas constar na constituição não significa que a norma era um consenso à época. Para entender isso, é preciso entender como foi o processo constituinte.

A maior parte das 1.020 votações da elaboração da atual Constituição de 1988 foi resolvida com poucos votos de diferença, com conchavos e muitas negociações. A resolução de impasses muitas vezes se deu com a inclusão dos termos “na forma da Lei”.

Não à toa, eles aparecem 112 vezes na Constituição Federal porque na prática isso significava aprovar uma matéria sem nenhum efeito prático.

Assim, na época dos debates da constituinte de 1987-88, a esquerda não tinha maioria para fixar uma alíquota imediata, enquanto o centrão e a direita não tinham maioria para derrubá-lo por completo. O conchavo que permitiu ambos os grupos comemorarem e sinalizarem para seus respectivos eleitorados foi remeter a norma a uma futura regulamentação para que ela tivesse validade. Enquanto o eleitorado de esquerda comemorou que instituiu um IGF, o da direita comemorou que a norma não valia nada juridicamente.

Taxar grandes fortunas nunca deu certo nos países em que foi tentado

A ideia de taxar grandes fortunas não é de hoje: por exemplo, na década de 1990, 12 países de alta renda contavam com esse imposto. Em 2017, contudo, apenas quatro mantinham a política: Espanha, França, Noruega e Suíça. Ou seja: quase todos os países que adotaram esse tipo de tributação, o abandonaram.

Na prática, tributar grandes fortunas é um desestímulo ao comportamento de poupar e investir, à atividade empreendedora e a problemas relacionados à liquidez dos mercados. Isto é: com a relação entre renda e patrimônio imperfeita, não há garantias de que quem possui determinado ativo valioso hoje necessariamente contará com recursos para arcar com a tributação dele.

Um estudo do Institute of Industrial Economics, por exemplo, analisou o impacto do IGF na Suécia. A receita agregada do imposto sobre a riqueza foi relativamente pequena: somou 0,16% do PIB em 2006.

Outro relatório, que analisou o impacto da tributação na França, mostrou que, entre 1988 e 2008, R$ 1,1 trilhão de patrimônio fugiu do país, evitando o imposto.

Não à toa, a França abandonou a taxação de grandes fortunas após a eleição do presidente Emmanuel Macron em 2018. A decisão foi tomada justamente por conta da facilidade encontrada pelos mais ricos para driblar o imposto.

O que a economia diz sobre o Imposto Sobre Grandes Fortunas?

Em 2018 a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) buscou listar algumas razões pelas quais outros países vêm não apenas reduzindo, mas também extinguindo a tributação sobre riqueza, além de estabelecer argumentos positivos e negativos acerca da política.

Para a OCDE, a preocupação por parte dos tomadores de decisão com o aumento da concentração de riqueza é razoável. Porém, como aponta o Nobel em Economia Milton Friedman, a solução do governo para um problema é usualmente tão ruim quanto o próprio problema.

Assim, o relatório aponta que, se a intenção governamental de instituir um imposto sobre grandes fortunas for diminuir a concentração de renda, há outras ferramentas mais eficientes e que prejudicam menos o ambiente de negócios. A tributação sobre ganhos de capital, heranças e propriedade, por exemplo, são geralmente menos nocivas tanto sob a perspectiva dos custos administrativos quanto da eficiência na redução de desigualdades.

Portanto, se a ideia de tributação for buscar maior arrecadação, com menos danos à economia e mais distribuição de renda, os tributaristas entendem que a forma mais eficiente será a partir da tributação de fluxo, não de estoque de riqueza. Quem defende o oposto, parou há algumas décadas no século XX.

Quem são os mais ricos do Brasil?

A despeito de possuir o nono maior Produto Interno Bruno (PIB) do mundo, o Brasil não é um país rico. Dividindo toda a produção pelo número de habitantes, o que é conhecido como PIB per capita no jargão econômico, o país possui uma renda média menor do que a de Botsuana. Quando comparado ao Chile, por exemplo, a renda média brasileira é duas vezes menor.

Dessa forma, os 5% mais ricos do Brasil não são donos de grandes fortunas. A renda deles é de aproximadamente R$ 5.200 por mês. Na prática, isso significa que o IGF tem baixo potencial arrecadatório.

Assim, apesar da defesa do aumento de impostos para os ricos ser travestida de preocupação social, o IGF não beneficia os mais vulneráveis: é preferível reivindicar o corte de impostos focalizado em quem possui menor renda. Caso contrário, o Brasil apenas perderá recursos para os países com um ambiente de negócios mais livre.

A máxima de que não há soluções simples para problemas complexos se aplica aqui: promessas alardeadas geralmente apresentam resultados medíocres ou insignificantes, apesar de dispendiosas; ou ainda prejudicam aqueles aos quais se prometia originalmente ajudar.

Luan Sperandio é Editor do Ideias Radicais

Fonte: Ideias Radicais

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