A existência do estado é, acima de tudo, uma contradição jurídica

Qual é a definição técnica de estado?  O que uma instituição deve ser capaz de fazer para ser classificado como um estado?

Essa instituição deve ser capaz de fazer com que todos os conflitos entre os habitantes de um dado território sejam trazidos a ela para que tome a decisão suprema e dê sua análise final. 

Mais ainda: deve ser capaz de fazer com que todos os conflitos envolvendo ela própria sejam decididos por ela ou por seus funcionários.

Ou seja, o estado é um agente que detém o monopólio da tomada suprema de decisões para todos os casos de conflito dentro de um território.  Esse agente, por definição, tem o poder de proibir todos os outros de agirem como juiz supremo.

Baseando-se nessa definição de estado, é fácil entender por que existe um desejo de se controlar um estado: quem quer que detenha o monopólio da arbitragem final dentro de um dado território tem o poder de fazer as leis.  E aquele que pode legislar, inclusive em causa própria, está em uma posição invejável.

A partir do momento em que passa a existir uma instituição que detenha o monopólio da tomada suprema de decisões para todos os casos de conflito, essa instituição também irá definir quem está certo e quem está errado em casos de conflito em que os próprios membros desta instituição estejam envolvidos.

Ou seja, ela não apenas é a instituição que decide quem está certo ou errado em conflitos entre terceiros, como ela também é a instituição que irá decidir quem está certo ou errado em casos em que seus próprios membros estejam envolvidos.

Uma vez que você percebe isso, então se torna imediatamente claro que tal instituição não apenas pode, por si mesma, provocar conflitos com cidadãos comuns para em seguida decidir a seu favor quem está certo e quem está errado, como também pode perfeitamente absolver todos os seus membros que porventura tenham sido flagrados em delito.  

Isso pode ser exemplificado particularmente por instituições como o Supremo Tribunal Federal. Se um indivíduo incorrer em algum conflito com uma entidade governamental, ou se algum membro do aparato estatal for flagrado em delito, o tomador supremo da decisão — aquele que vai decidir sobre a culpa dos envolvidos — será o Supremo Tribunal, que nada mais é do que o núcleo da própria instituição que está em julgamento.

Assim, é claro, será fácil prever qual será o resultado da arbitração desse conflito: o estado sempre estará certo. 

Consequentemente, é fácil perceber a falácia fundamental presente na construção de uma instituição como o estado.

A insustentável defesa do estado

O mais sofisticado argumento em favor do estado deve ser brevemente examinado.  Desde Hobbes, este argumento tem sido repetido incessantemente. 

Funciona assim: no estado natural das coisas, antes do estabelecimento de um estado, sobejam os conflitos permanentes.  Todos alegam ter direito a tudo, o que resulta em guerras intermináveis.  Não há como sair dessa situação instável por meio de acordos; pois afinal quem iria fazer cumprir esses acordos?  Sempre que a situação se mostrasse vantajosa, um ou ambos os lados iriam quebrar o acordo. 

Logo, as pessoas reconheceram que há somente uma solução para o desideratum da paz: o estabelecimento, por consentimento, de um estado — isto é, de uma entidade externa e independente, que assumiria a função de fiscal e juiz supremo.

Porém, se essa tese está correta, e os acordos requerem um fiscal externo que os torne vinculantes, então um estado criado por consentimento nunca poderá existir.  Pois, para fazer cumprir o próprio acordo do qual resultará a formação de um estado (tornar esse mesmo acordo vinculante), um outro fiscal externo, um estado anterior, já teria de existir.  E para que esse estado tenha podido existir, um outro estado anterior a ele deveria ter sido postulado, e assim por diante, em uma regressão infinita.

Por outro lado, se aceitarmos que estados existem (e é claro que eles existem), então esse próprio fato contradiz a história hobbesiana.  O estado em si surgiu sem a existência de qualquer fiscal externo.  Presumivelmente, na época do suposto acordo, nenhum estado anterior existia para arbitrar esse acordo. 

Ademais, uma vez que um estado criado por consentimento passa a existir, a ordem social resultante continua sendo autoimposta.  Sem dúvidas, se A e B concordam em algo, esse acordo só pode ser tornado vinculante por uma entidade externa.  Entretanto, o próprio estado não está vinculado da mesma forma a um fiscal externo

Não existe absolutamente nenhuma entidade externa para mediar conflitos entre agentes do estado e súditos do estado; da mesma forma, não há nenhuma entidade externa para mediar conflitos entre os próprios agentes do estado ou entre as próprias agências do estado.  Pior ainda: não há agente externo para punir os próprios integrantes do estado que incorreram em delito.

Sempre que houver conflitos judiciais entre o estado e seus cidadãos, entre uma agência do estado e outra agência do estado, ou entre membros do estado, tais acordos serão mediados apenas pelo próprio estado

O estado não está vinculado a nada exceto às suas autoimpostas regras, isto é, às restrições que ele se impõe a si mesmo.  Em relação a si próprio, o estado ainda está no estado natural de anarquia caracterizada pela autofiscalização e pelo autocontrole, pois não há na hierarquia um estado superior que possa vinculá-lo a algo.

Mais ainda: se aceitarmos a ideia hobbesiana de que a fiscalização de regras mutuamente consentidas requer um agente externo independente, isso por si só iria descartar a hipótese da criação de um estado.  De fato, tal ideia constitui um argumento conclusivo contra a instituição de um estado, isto é, de um monopolista da arbitração e da decisão suprema. 

Pois teria de existir uma entidade independente para arbitrar todos os casos que envolvessem algum agente do estado e eu (um cidadão privado), ou que envolvessem apenas agentes do estado.

Da mesma forma, teria de haver uma entidade independente para todos os casos que envolvessem conflitos intraestado (e teria de haver uma outra entidade independente para o caso de conflitos entre várias entidades independentes). 

Porém, isso significa, é claro, que tal estado (ou qualquer entidade independente) não seria um estado no sentido estrito do termo, mas simplesmente uma de várias agências arbitradoras de conflitos, operando em ambiente de livre concorrência.

Conclusão

Quase todas as pessoas estão convencidas de que o estado é uma instituição necessária. Sendo assim, é bastante duvidoso que a batalha contra o estado possa ser vencida de maneira tão fácil quanto parece ser no nível teórico e intelectual. 

No entanto, a própria existência do estado é, em si mesma, uma contradição jurídica. Contra esse fato ainda não foram apresentados argumentos lógicos.

Sendo assim, resta-nos apenas nos divertir um pouco à custa de nossos oponentes defensores do estado.  Para isso, sugiro que você persistentemente os confronte com a seguinte charada: imagine um grupo de pessoas sempre alertas à possibilidade do surgimento de conflitos; e então eis que alguém propõe, como solução a este eterno problema humano, que ele próprio se torne o arbitrador supremo de todos os casos de conflito, inclusive daqueles em que ele mesmo esteja envolvido. 

Estou certo de que ele será considerado um piadista ou alguém mentalmente perturbado.  Entretanto, é exatamente isso que todos os estatistas propõem.

A grande ameaça para a liberdade e a civilização vem da esquerda

Seria algum exagero dizer que, desde a Revolução Francesa, a esquerda tem sido a fonte de praticamente todas as perversidades políticas, e continua sendo até hoje?

É verdade que não pode haver dúvidas de que várias crueldades podem ser e foram infligidas com o intuito de se preservar a ordem vigente. Porém, quando comparamos as piores atrocidades do passado mais distante com as revoluções totalitárias de esquerda ocorridas no século XX, aquelas parecem, em geral, um mero distúrbio. Como dizia Joseph Sobran, toda a história da Inquisição mal alcança o nível daquilo que os comunistas faziam em uma tarde normal.

A Revolução Francesa, particularmente em sua fase mais radical, representou a clássica manifestação do esquerdismo moderno, e serviu de modelo para revoluções ainda mais radicais que viriam a ocorrer ao redor do mundo mais de um século depois.

À medida que a Revolução Francesa avançava, seus objetivos iam se tornando mais ambiciosos, com seus mais fervorosos partidários exigindo nada menos que a total transformação da sociedade.

Para substituir os vários costumes e tradições já estabelecidos em uma França que tinha mais de um milênio de história, os revolucionários radicais introduziram uma alternativa “racional” inteiramente criada por suas próprias cabeças, e com um entusiasmo digno de um hospício.

Ruas com nomes de santos receberam novos nomes, e as estátuas de santos foram guilhotinadas (as pessoas que guilhotinavam estátuas eram as racionais). O próprio calendário francês, repleto de festas religiosas, foi substituído por um calendário mais “racional”, com 30 dias por mês divididos em três semanas de 10 dias, desta maneira abolindo o domingo. Os cinco dias restantes do ano eram dedicados a práticas seculares: celebrações do trabalho, da opinião, do talento, da virtude e da recompensa.

As punições ministradas a quaisquer desvios dessa nova revelação já eram tão severas quanto as que viriam a se tornar praxe na esquerda de hoje. Pessoas eram sentenciadas à morte por terem um rosário, por darem abrigos a padres, ou mesmo por se recusarem a abdicar do sacerdócio.

Já estamos bastante familiarizados com a guilhotina, mas os revolucionários inventaram outras formas de execução, como os Afogamentos em Nantes, criados para humilhar e aterrorizar suas vítimas.

Dado que a esquerda sempre quer a completa transformação da sociedade, e dado que essa mudança total tende a enfrentar a resistência dos cidadãos comuns que simplesmente não querem ter suas rotinas e suas vidas radicalmente transformadas, não é de se surpreender que o recurso do terror em massa seja a arma escolhida. O povo tem de ser aterrorizado até sua completa submissão, e tem de ficar tão indefeso, quebrado e desmoralizado, que qualquer ato de resistência irá se tornar impossível.

Da mesma forma, não é de se surpreender que a esquerda defenda um estado gigante. Em lugar de agrupamentos e fidelidades que ocorrem naturalmente, a esquerda exige sua substituição por criações artificiais. Em lugar do concreto e do específico — dos “pequenos pelotões” que surgem organicamente, como dizia Edmund Burke —, a esquerda impõe substitutos remotos e artificiais que surgem da cabeça dos intelectuais. 

A esquerda prefere que o comando total seja entregue a um distante governo central em detrimento dos indivíduos e suas vizinhanças locais; às escolas e aos sindicatos dos professores em detrimento do chefe da família.

Por isso, durante a Revolução Francesa, a criação dos departamentos, totalmente subordinados a Paris, foi uma clássica manobra esquerdista — assim como foram os megaestados totalitários do século XX, os quais exigiam que a fidelidade do povo fosse transferida das pequenas associações que até então definiam suas vidas para uma nova autoridade central que havia sido criada do nada.

Enquanto isso, a direita (corretamente entendida), de acordo com o grande liberal clássico Erik von Kuehnelt-Leddihn, “defende formas de vida livres e surgidas organicamente”.

A direita defende a liberdade e uma maneira de pensar livre e sem preconceitos; uma prontidão em preservar os valores tradicionais (desde que eles sejam valores verdadeiros); uma visão equilibrada da natureza do homem, que o vê nem como uma besta nem como um anjo, insistindo na singularidade dos seres humanos, os quais não podem ser transformados em, e nem tratados como, meros números ou cifras. 

Já a esquerda é a defensora dos princípios opostos; ela é a inimiga da diversidade e a fanática defensora da identidade. A uniformidade é enfatizada em todas as utopias esquerdistas, paraísos nos quais todos são os mesmos, a inveja está morta, e o inimigo ou já foi aniquilado, ou vive fora dos portões, ou já foi completamente humilhado. O esquerdismo abomina as diferenças, as divergências e as estratificações. […] A palavra “única” é o seu símbolo: uma única linguagem, uma única raça, uma única classe, uma única ideologia, um único ritual, um único tipo de escola, uma única lei para todos, uma única bandeira, um único brasão, um único estado mundial centralizado.

Estaria essa descrição de Kuehnelt-Leddihn parcialmente datada? Afinal, ninguém apregoa sua devoção à “diversidade” com mais intensidade do que a esquerda. No entanto, a versão esquerdista de ‘diversidade’ se resume a um tipo especialmente pérfido de uniformidade.  

Para a esquerda, ninguém pode ter uma visão discordante a respeito da necessidade de se impor essa “diversidade”; na academia, “diversos” professores universitários são escolhidos não por sua diversidade de pontos de vista, mas precisamente por sua sombria uniformidade: progressistas de esquerda de todos os tipos e formas. Alunos e professores com visões genuinamente diversas são marginalizados, perseguidos e intimidados

Adicionalmente, ao exigir “diversidade” e representação proporcional em várias instituições, a esquerda tem o objetivo contrário: fazer com que todo o país seja exatamente igual.

A esquerda sempre esteve engajada em criar ciladas. Primeiro, ela afirma que não quer nada mais do que a liberdade para todos. O progressismo supostamente seria neutro em relação a visões de mundo rivais, defendendo apenas um mercado de idéias aberto, em que pessoas racionais pudessem discutir questões importantes. Ele não imporia qualquer visão específica.

Essa alegação, no entanto, rapidamente se comprovou uma farsa quando a importância, para a esquerda, de se ter uma educação controlada centralmente pelo estado se tornou óbvia. Em particular, a educação progressista sempre visou a “libertar” as crianças das superstições dos poderes concorrentes ao estado (pais, família, igreja, vizinhança) e transferir sua lealdade ao governo central.

Como Kuehnelt-Leddihn disse:

As razões são várias. Não apenas há o regozijo do estatismo, como também há a ideia de uniformidade e igualdade: a ideia de que as diferenças sociais na educação devem ser eliminadas e todos os alunos devem adquirir exatamente o mesmo conhecimento, o mesmo tipo de informação, da mesma forma e no mesmo grau, sem espaço para o contraditório ou para outras visões. Isso deverá fazer com que eles pensem da maneira idêntica — ou, no mínimo, similar.

À medida que o tempo passou, os esquerdistas foram ficando cada vez menos preocupados em manter uma aparência de neutralidade em relação a visões sociais distintas. É por isso que aqueles conservadores que acusam a esquerda de relativismo moral estão errados: longe de ser relativista, a esquerda é absolutista em sua exigência para que todos se conformem aos seus códigos morais peculiares.

Por exemplo, quando a esquerda declara que pessoas “transgênero” são a nova classe oprimida, ela espera que todos fiquem de pé e batam continência. A esquerda progressista não argumenta que apoiar pessoas transgênero pode ser uma boa ideia para alguns e uma má ideia para outros; é isso o que ela diria caso fosse moralmente relativista.  Mas como ela não é, não é isso o que ela diz.

E não é apenas que a discordância não seja tolerada. A discordância também não pode ser reconhecida. Não é que o “infrator” (aquele que não concorda com as idéias progressistas) seja chamado para um debate até que uma solução satisfatória seja alcançada. Ele é simplesmente expulso da “sociedade culta e iluminada” sem qualquer cerimônia. Não pode haver qualquer opinião diferente daquela que a esquerda estipulou ser a aceitável.

Incidentalmente, qual foi o último palestrante esquerdista que foi calado no grito por libertários em uma universidade? Resposta: isso nunca ocorreu. E, se houvesse ocorrido, pode ter certeza de que ouviríamos lamúrias da esquerda sobre isso até o fim dos tempos.

Por outro lado, esquerdistas que aterrorizam seus oponentes ideológicos estão simplesmente sendo fieis às ordens de Herbert Marcuse, o esquerdista da Escola de Frankfurt que, na década de 1960, argumentou que a liberdade de expressão tinha de ser restringida para os movimentos anti-progressistas. Diz ele:

Dada essa situação, eu sugeri em “Tolerância Repressiva” a prática da tolerância diferenciada em uma direção inversa, como um meio de deslocar o equilíbrio entre a Direita e a Esquerda por meio da contenção da liberdade da Direita, dessa maneira contrariando a desigualdade penetrante da liberdade (oportunidade desigual de acesso aos meios de persuasão democrática) e fortalecendo o oprimido contra o opressor.

A tolerância seria restrita com relação a movimentos de um caráter demonstravelmente agressivo ou destrutivo. […] Tal discriminação também seria aplicada a movimentos que se opõem à extensão da legislação social para os pobres, os fracos, os inválidos.  

Em relação às virulentas acusações de que uma política assim anularia o sagrado princípio progressista de igualdade para “o outro lado”, afirmo que há questões em que o “outro lado” ou nada mais é do que uma mera formalidade ou é demonstravelmente “regressivo” e impede a possível melhoria da condição humana. Tolerar a propaganda para a desumanidade vicia não só as metas do progressismo, mas de toda a filosofia política progressiva.

Mesmo boa parte do que se passa por conservadorismo hoje é afetado pelo esquerdismo. Esse é exatamente o caso do neoconservadorismo. Você consegue imaginar Edmund Burke, a fonte do conservadorismo moderno, defendendo a ideia de intervenções militares ao redor do mundo para espalhar a ideia de direitos humanos e democracia? Converse com neoconservadores sobre descentralização e secessão, e você receberá exatamente as mesmas respostas esquerdistas que vê nos veículos da mídia progressista.

No entanto, já até consigo imaginar a seguinte objeção: não obstante qualquer coisa que possa ser dita sobre os crimes e horrores da esquerda, não podemos ignorar o totalitarismo da direita, manifestado mais abertamente na Alemanha nazista.

O problema é que, com efeito, o nazismo era um partido de esquerda. Na plataforma do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães encontramos os seguintes itens:

O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães não é um partido trabalhista no sentido clássico do termo: ele representa os interesses de todo o trabalho honestamente criativo. Trata-se de um partido que ama a liberdade e é estritamente nacionalista e que, portanto, luta contra todas as tendências reacionárias, contra os privilégios capitalistas, eclesiásticos e aristocráticos, e contra toda a influência estrangeira, mas acima de tudo contra a opressora influência da mentalidade comercial judaica sobre todos os domínios da vida pública….

O partido exige a unificação de todas as regiões da Europa habitadas por alemães, transformando-as em um Reich alemão democrático e com consciência social….

O partido exige plebiscitos para todos as principais leis do Reich, dos estados e das províncias….

O partido exige a eliminação do domínio dos banqueiros judeus sobre o comércio e os negócios, e exige a criação de bancos nacionais do povo, com uma administração democrática.

Este programa, escreveu Kuehnelt-Leddihn, “exalava todo o espírito da igualdade esquerdista: era democrático, era contra os Habsburgos (exigia a destruição da monarquia em prol de um programa pan-germânico), e era contra todas as minorias impopulares, atitude essa que é o magnetismo de todas as ideologias esquerdistas”.

(Sobre o programa econômico dos nazistas, ainda mais abertamente de esquerda, veja este artigo.)

A obsessão esquerdista com “igualdade” significa que o estado deve se intrometer em todas as áreas da economia e da vida em sociedade, deve regular o emprego, as finanças, a educação e até mesmo abolir a liberdade de associação em clubes privados — ou seja, o estado deve se fazer presente em praticamente todos os buracos e fendas da sociedade civil. Em nome da diversidade, cada instituição deve ser forçada a ser igual a todas as outras.

A esquerda jamais irá se considerar satisfeita porque seu lema é o da permanente revolução a serviço de objetivos inalcançáveis, como a “igualdade”. Só que, no mundo real, as pessoas são intrinsecamente distintas uma das outras. Algumas pessoas são naturalmente mais inteligentes que outras. Algumas têm mais destrezas do que outras. Algumas têm mais aptidões físicas do que outras. Pessoas de diferentes capacidades, intelectos e dotes auferirão rendas distintas. 

Isso, consequentemente, significa que o estado, guiado pela esquerda, terá de estar continuamente intervindo na sociedade civil. No entanto, a igualdade imposta desaparecerá no exato momento em que pessoas voltarem a trocar dinheiro pelos bens que desejam. Ato contínuo, o estado terá de intervir novamente para igualar tudo. E assim será o tempo todo, para todo o sempre.

Adicionalmente, cada nova geração de progressistas destrói e ridiculariza tudo aquilo que a geração anterior ainda aceitava como algo natural. Com isso, a revolução vai só se aprofundando.

O esquerdismo, em suma, é a receita para uma permanente revolução, e de um tipo distintivamente anti-libertário. E não só anti-libertário. É também anti-humano.

E, ainda assim, todo o ódio ainda é direcionado para a direita.

Só para esclarecer, libertários não se sentem em casa nem na esquerda e nem na direita. Porém, a ideia de que ambos os lados são igualmente terríveis, ou representam ameaças idênticas à liberdade, é uma insensatez imprudente e destrutiva.

O horror da China comunista e seus pavorosos campos de morte

Neste mês de outubro de 2019 completaram-se 70 anos da Revolução Comunista chinesa, que deu início ao mais cruel e sanguinolento regime governamental da história humana (sem exageros). 

Espantosamente, não só é raro encontrar pessoas realmente bem informadas sobre as atrocidades cometidas por aquele regime — o que nos diz muita coisa sobre nosso sistema educacional —, como ainda há partidos políticos e intelectuais que simpatizam com o maoísmo.

No artigo abaixo, uma tentativa de mitigar um pouco deste obscurantismo, em um breve resumo daquele período.

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Embora atualmente muito se fale sobre a economia da China e muito se critique o país, o que é realmente notável em todos esses comentários e críticas é quão distantes e limitados eles parecem ser quando se pensa na história recente da China.

E esse é um assunto profundamente doloroso, horrível em seus detalhes, mas altamente elucidativo e útil para nos ajudar a entender a política — e que também põe em perspectiva as notícias sobre esses recentes problemas na China.

É um escândalo, de fato, que poucos ocidentais sequer estejam informados — ou, se estão, não estão conscientes — sobre a sanguinolenta realidade que predominou na China entre os anos de 1949 e 1976, os anos da ditadura comunista de Mao Tsé-Tung. (Ou Mao Zédong).

Quantos morreram como resultado das perseguições e das políticas de Mao? Será que você se importaria em adivinhar? Muitas pessoas ao longo dos anos tentaram. Mas elas sempre acabavam subestimando os números. Porém, à medida que mais dados foram aparecendo durante as décadas de 1980 e 90, e os especialistas foram se dedicando mais intensamente às investigações e estimativas, os números foram se tornando cada vez mais confiáveis. Mas, ainda assim, eles permanecem imprecisos. Qual a margem de erro com a qual estamos lidando? Ela pode ser, por baixo, de 40 milhões; mas também pode ser de 100 milhões ou mais.

Para o Grande Salto para Frente, de 1959 a 1961, o número de mortos varia entre 20 milhões e 75 milhões. No período anterior foi de 20 milhões. No período posterior, dezenas de milhões a mais.

Estudiosos da área de homicídio em massa dizem que a maioria de nós não é capaz de imaginar 100 mortos ou 1.000. E, acima disso, tudo vira apenas estatística: os números passam a não ter qualquer sentido conceitual para nós, e a coisa se torna um simples jogo numérico que nos desvia do horror em si. Há um limite de informações horríveis que nosso cérebro pode absorver, um limite de quanto sangue podemos imaginar.

No entanto, há um motivo maior pelo qual o experimento comunista chinês permanece um fato oculto: ele apresenta um argumento forte e decisivo contra o poder do estado, de maneira ainda mais conspícua que os casos da Rússia e da Alemanha do século XX.

Esse horror já podia ser pressagiado quando uma guerra civil se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Depois de nove milhões de mortos, os comunistas emergiram vitoriosos em 1949, tendo Mao como o soberano. Assim, a terra de Lao-Tzu (rima, ritmo, paz), do Taoísmo (compaixão, moderação, humildade) e do Confucionismo (piedade, harmonia social, progresso individual) foi confiscada pela importação da mais esquisita matéria-prima jamais conhecida pelos chineses: o marxismo alemão importado via Rússia.

Era uma ideologia que negava toda a lógica, toda a experiência, todas as leis econômicas, todos os direitos de propriedade, e todos os limites sobre o poder do estado, que alegava que todas essas noções eram meros preconceitos burgueses, e que afirmava que tudo o que era necessário para transformar a sociedade era criar um núcleo composto por poucas pessoas iluminadas e dotadas de ilimitados poderes para modificar todas as coisas.

É realmente bizarro pensar nisso: a China, dentre todos os lugares, com pôsteres de Marx e Lênin, e sendo governada por uma ideologia ditatorial, extorsiva e homicida, que só chegou ao fim em 1976. A transformação ocorrida nos últimos 40 anos foi tão espetacular que alguém dificilmente saberia que tudo isso já aconteceu, exceto pelo fato de o Partido Comunista ainda estar no poder, embora já tenha dispensado os princípios básicos da parte comunista.

O experimento começou da maneira mais sanguinolenta possível, após a Segunda Guerra, quando todos os olhos do Ocidente estavam voltados para assuntos internos (e, quando havia alguma preocupação externa, ela estava na Rússia). Os “mocinhos” (comunistas) haviam vencido a guerra contra os vilões (nacionalistas) da China — ou assim fomos levados a crer, na época em que o comunismo era a moda mundial.

A comunização da China se deu seguindo os três estágios usuais: expurgos, planejamentos e, por fim, a procura por bodes expiatórios.

Primeiro ocorreram os expurgos — também conhecidos como “purificação” — para que o comunismo pudesse ser implantado. Havia rebeldes a serem mortos e terras a serem nacionalizadas. As igrejas tinham de ser destruídas. Os contra-revolucionários tinham de ser suprimidos. A violência começou no campo e depois se espalhou para as cidades.

Todos os camponeses foram inicialmente divididos em quatro classes que eram consideradas politicamente aceitáveis: pobres, semi-pobres, médios, e ricos. Todos os outros eram considerados latifundiários e, assim, marcados para ser eliminados. Se nenhum latifundiário fosse encontrado, os “ricos” eram então incluídos nesse grupo.

A classe demonizada era desentocada em uma série de “encontros da amargura” — que ocorriam em nível nacional —, nos quais as pessoas delatavam seus vizinhos que possuíssem propriedades e que fossem politicamente desleais. Aqueles assim considerados eram imediatamente executados junto com quem quer que tivesse simpatias por eles.

A regra era que deveria haver ao menos uma pessoa morta por vilarejo. O número de mortos está estimado entre um milhão e cinco milhões. Adicionalmente, entre quatro e seis milhões de proprietários de terra foram trucidados pelo simples crime de serem donos de capital. Se alguém fosse suspeito de estar escondendo alguma riqueza, ele ou ela seria torturado com ferro quente até confessar. As famílias dos mortos eram também torturadas e os túmulos de seus predecessores eram saqueados e pilhados. O que acontecia com a terra? Era dividida em minúsculos lotes e distribuída entre os camponeses remanescentes.

A campanha então se dirigiu para as cidades. As motivações políticas eram o principal incentivo, mas havia também o desejo de se fazer controles comportamentais. Qualquer suspeito de envolvimento com prostituição, jogatina, sonegação, mentiras, tráfico de ópio, ou suspeito de contar segredos de estado, era executado sob a acusação de “bandido”.

Estimativas oficiais colocam o número de mortos em dois milhões, sendo que outros dois milhões foram morrer nas prisões. Comitês residenciais formados por pessoas leais ao estado vigiavam cada movimento. Qualquer visita noturna era imediatamente denunciada, e todos os envolvidos eram presos ou assassinados. As celas das prisões iam ficando cada vez menores, chegando a um ponto em que uma pessoa vivia em um espaço de aproximadamente 35 centímetros. Alguns prisioneiros faziam trabalho forçado até morrer, e qualquer um que se envolvesse em alguma revolta era agrupado com seus colaboradores e todos eram queimados.

Havia indústrias nas cidades, mas aqueles que eram seus proprietários e gerentes eram submetidos a restrições cada vez mais apertadas: transparência forçada, escrutínio constante, impostos escorchantes, além de sofrerem todos os tipos de pressão para oferecer seus negócios à coletivização. Houve muitos suicídios entre os pequenos e médios empresários que perceberam para onde tudo estava indo. Filiar-se ao partido adiava apenas temporariamente a morte, já que em 1955 começou a campanha contra os contra-revolucionários escondidos dentro do próprio partido. Havia um princípio de que um em cada dez membros do partido era um traidor secreto.

Quando os rios de sangue haviam atingido seu ápice, Mao criou a campanha do Desabrochar das Cem Flores, durante dois meses de 1957, sendo o legado desta a frase que frequentemente se ouve: “Deixemos que cem flores desabrochem!” As pessoas foram encorajadas a falar abertamente e mostrar seu ponto de vista, uma oportunidade muito tentadora para os intelectuais. Mas essa liberalização durou pouco. Na verdade, foi tudo uma armadilha. Todos aqueles que falaram contra o que estava acontecendo na China foram arregimentados e aprisionados, talvez entre 400.000 e 700.000 pessoas, incluindo dez por cento das classes mais educadas. Outras eram rotuladas de direitistas e sujeitadas a interrogatório e reeducação; outras eram expulsas de suas casas e isoladas.

Mas isso não foi nada comparado à fase dois, que se tornou uma das maiores catástrofes da história do planejamento central. Após a coletivização das terras, Mao decidiu ir mais a fundo e passou a ditar aos camponeses o que eles deveriam plantar, como eles deveriam plantar, para onde eles deveriam mandar a colheita, e até mesmo se — em vez de ter de plantar qualquer coisa — eles deveriam ser arrastados para as indústrias. Essa etapa se tornaria o Grande Salto para Frente, que acabou por gerar a escassez mais mortal da história.

Os camponeses foram ajuntados em grupos de milhares e forçados a dividir todas as coisas. Todos os grupos deveriam ser auto-suficientes. As metas de produção foram aumentadas para níveis nunca antes imaginados.

Centenas de milhares de pessoas foram deslocadas de onde a produção era alta para onde ela era baixa, como um meio de impulsionar a produção. Elas também foram deslocadas da agricultura para a indústria. Houve uma campanha maciça para se coletar ferramentas e transformá-las em habilidade industrial. Como maneira de demonstrar esperança para o futuro, os coletivizados eram encorajados a fazer enormes banquetes e a comer de tudo, principalmente carne. Esse era um modo de mostrar a crença de que a colheita do ano seguinte seria ainda mais farta.

Mao tinha essa idéia de que ele sabia como cultivar os grãos. Ele proclamou que “as sementes são mais felizes quando cultivadas juntas” — e então as sementes foram semeadas em densidades de cinco a dez vezes maiores do que a normal.  As plantas morreram, o solo secou, e o sal subiu à superfície.  Para impedir que os pássaros comessem os grãos, os pardais foram exterminados, o que aumentou imensamente o número de parasitas. Erosões e enchentes se tornaram endêmicas. Plantações de chá foram transformadas em plantações de arroz, sob o argumento de que o chá estava em decadência e era coisa de capitalista.

Equipamentos hidráulicos construídos para servir às novas fazendas coletivas não funcionavam e não tinham peças para reposição. Isso levou Mao a colocar nova ênfase na indústria, que surgiu forçadamente nas mesmas áreas da agricultura, levando a um caos ainda maior. Os trabalhadores eram arrastados de um setor para outro, e cortes obrigatórios em alguns setores eram compensados com um aumento obrigatório das cotas em outros setores.

Em 1957, o desastre estava por todos os lados. Os trabalhadores estavam tão enfraquecidos que eram incapazes até mesmo de colher suas escassas safras; e assim eles morriam, vendo o arroz apodrecer. As indústrias se avolumavam, mas não produziam nada de útil. A resposta do governo foi dizer às pessoas que gorduras e proteínas eram desnecessárias. Mas a fome não podia ser negada. O preço do arroz subiu de 20 a 30 vezes no mercado negro.

Como as transações foram proibidas entre os grupos coletivistas (você sabe, a tal da auto-suficiência), milhões ficaram à míngua. Já em 1960, a taxa de mortalidade pulou de 15% para 68%, e a taxa de natalidade despencou. Quem quer que fosse pego estocando grãos era fuzilado. Camponeses flagrados com a menor quantia imaginável eram aprisionados. Fogueiras foram banidas. Funerais foram proibidos, pois eram considerados esbanjadores.

Aldeões que tentavam fugir dos campos para as cidades eram fuzilados nos portões. Os mortos por inanição chegaram a 50% em alguns vilarejos. Os sobreviventes ferviam grama e cascas de árvore para fazer sopa, enquanto outros vagueavam pelas estradas à procura de comida. Algumas vezes eles se bandeavam e atacavam casas, procurando por restos do milho que era servido ao gado. As mulheres eram incapazes de engravidar devido à desnutrição. Pessoas nos campos de trabalho forçado foram usadas em experimentos com comidas, provocando doenças e mortes.

Mas isso ainda era pouco. Em 1968, um membro da Guarda Vermelha, de 18 anos, chamado Wei Jingsheng, encontrou refúgio em uma família de um vilarejo em Anhui, e ali ele viveu para escrever o que ele viu:

Caminhávamos juntos ao longo do vilarejo. . .  Diante de meus olhos, entre as ervas daninhas, surgiu uma das cenas que já haviam me contado: um dos banquetes no qual as famílias trocam suas crianças para poder comê-las. Eu podia vislumbrar claramente a angústia nos rostos das famílias enquanto elas mastigavam a carne dos filhos dos amigos. As crianças que estavam caçando borboletas em um campo próximo pareciam ser a reencarnação das crianças devoradas por seus pais. O que fez com que aquelas pessoas tivessem de engolir aquela carne humana, entre lágrimas e aflições — carne essa que elas jamais se imaginaram provando, mesmo em seus piores pesadelos?

O autor dessa passagem foi preso como traidor, mas seu status o protegeu da morte, e ele foi finalmente solto em 1997.

Quantas pessoas morreram durante a fome de 1959-1961? A menor estimativa é de 20 milhões. A maior, de 43 milhões. Finalmente, em 1961 o governo cedeu e permitiu alguma importação de comida, mas foi pouco e já era tarde. Foi permitido a alguns camponeses voltar a plantar em sua própria terra. Surgiram alguns ateliês particulares. Alguns mercados foram permitidos. Finalmente, a fome começou a diminuir e a produção começou a crescer.

Mas então veio a terceira etapa: encontrar os bodes expiatórios. O que havia causado toda a calamidade? A resposta oficial era qualquer coisa, menos o comunismo; qualquer coisa, menos Mao. E então a captura de pessoas por motivos puramente políticos começou novamente — e aqui chegamos ao cerne da Revolução Cultural.

Milhares de campos e centros de detenção foram abertos. As pessoas que eram mandadas para lá, morriam lá. Na prisão, utilizava-se das desculpas mais fajutas possíveis para se eliminar alguém — tudo para haver sobras alimentícias, uma vez que os prisioneiros eram um fardo para o sistema, de acordo com o pensamento de quem estava no comando. Esse sistema penal, o maior já construído, era organizado em um estilo militar, com alguns campos mantendo por volta de 50.000 pessoas.

Havia um critério para se aprisionar alguém: os indivíduos eram abordados aleatoriamente e recebiam ordens de prisão de maneira indiscriminada. Isso acontecia com ampla frequência. Todos tinham de carregar consigo uma cópia do Pequeno Livro Vermelho, de Mao. Questionar a razão da prisão era em si uma evidência de deslealdade, já que o estado era infalível.

Uma vez preso, o caminho mais seguro era a confissão instantânea. Os guardas eram proibidos de usar de violência aberta, de modo que assim os interrogatórios durassem centenas de horas, o que frequentemente fazia com que os prisioneiros morressem durante o processo. Aqueles que tivessem seus nomes citados durante uma confissão eram então caçados e recolhidos.

Após ter passado por esse processo, você era mandado para um campo de trabalhos forçados, onde seria avaliado de acordo com o número de horas que seria capaz de trabalhar com pouca comida. Você não poderia comer carne nem qualquer tipo de açúcar ou azeite. Os prisioneiros passariam então a ser controlados pela racionalização do pouco da comida que tinham.

A fase final dessa incrível litania de criminalidade durou o período de 1966 até 1976, durante o qual o número de mortos caiu dramaticamente, variando “apenas” entre um milhão e três milhões. O governo, agora cansado e nos primeiros estágios da desmoralização, começou a perder o controle, primeiro dentro dos campos de trabalhos forçados, e então na zona rural. E foi esse enfraquecimento que levou ao período final, e de certa forma o mais cruel, da história comunista da China.

Os primeiros estágios da rebelião ocorreram da única maneira permissível: a linha dura começou a criticar o governo por ser muito frouxo e muito descompromissado com o ideal comunista. Ironicamente, isso começou a surgir exatamente no momento em que a moderação se tornou manifesta na Rússia. Os neo-revolucionários da Guarda Vermelha começaram a criticar os comunistas chineses como sendo “reformistas a la Khrushchev”.  Como um escritor apontou, a guarda “se levantou contra seu próprio governo com o intuito de defendê-lo”.

Durante esse período, o culto à personalidade de Mao chegou ao seu ápice, com o Pequeno Livro Vermelho atingindo um prestígio mítico. Os Guardas Vermelhos perambulavam pelo país tentando expurgar as “Quatro Coisas Antiquadas”: idéias, cultura, costumes e hábitos. Os templos remanescentes foram obstruídos. Óperas tradicionais foram banidas, tendo a Ópera de Beijing todos os seus vestuários e cenários queimados. Monges foram expulsos. O calendário foi modificado. Todo o cristianismo foi banido. Animais de estimação como pássaros e gatos foram proibidos. Humilhação era a palavra de ordem.

Assim foi o Terror Vermelho: em sua capital, ocorreram 1.700 mortes e 84.000 pessoas fugiram. Em outras cidades, como Xangai, os números eram ainda piores. Foi implantado um processo de expurgo e purificação dentro do partido, com centenas de milhares presos e muitos assassinados. Artistas, escritores, professores, técnicos: todos eram alvos. Massacres organizados ocorriam em comunidades seguidas, com Mao aprovando cada passo como meio de eliminar cada possível rival político.

Mas, interiormente, o governo estava se fragmentando e rachando, mesmo que externamente ele estivesse se tornado ainda mais brutal e totalitário.

Finalmente, em 1976, Mao morreu. Em poucos meses, seus conselheiros mais próximos foram todos encarcerados. A reforma começou lenta a princípio, mas depois atingiu uma velocidade assustadora. As liberdades civis foram restauradas (comparativamente) e as reabilitações começaram. Os torturadores foram processados. Os controles econômicos foram gradualmente relaxados. A economia, por virtude da iniciativa humana e da iniciativa econômica privada, se transformou.

Tendo lido tudo isso, você agora faz parte da minúscula elite de pessoas que sabem alguma coisa sobre o maior campo de morte da história do mundo, que foi no que a China se transformou entre 1949 e 1976 — um experimento de controle total, algo que jamais se viu na história. Muitas pessoas hoje sabem mais sobre os produtos de baixa qualidade da China do que sobre as centenas de milhões de mortos e a inenarrável quantidade de sofrimento ocorrida sob o comunismo.

Quando você ouvir sobre produtos de baixa qualidade vindos da China, ou sobre trigo insuficientemente processado, imagine milhões sofrendo de uma fome dantesca, com pais trocando seus filhos para comê-los e, assim, permanecerem vivos. Não me diga que aprendemos alguma coisa com a história. Sequer conhecemos a história o suficiente para aprender algo com ela.

A grande mudança monetária e bancária que está por vir – está preparado?

A coisa está avançando a um ritmo muito mais rápido do que o inicialmente imaginado. Eis alguns trechos de uma notícia de hoje, dia 12 de abril de 2021:

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse, nesta segunda-feira (12/04), que o projeto de emitir uma moeda digital no Brasil está avançando bastante e terá novidades em breve. Porém, pediu mais cooperação dos bancos centrais em relação ao assunto, para que haja características comuns entre as diversas moedas digitais que estão em desenvolvimento pelo mundo.

Em reunião de banqueiros centrais ibero-americanos, Campos Neto disse que algumas das principais questões que precisam ser respondidas é se essas moedas terão remuneração, se os bancos centrais terão monopólio na sua emissão e custódia, se ela será rastreável e qual será a tecnologia adotada.

“Lançamos um projeto de lei para mudar as características da moeda real. O primeiro é a simplificação da moeda; depois, a internalização e a conversibilidade; e a terceira fase é a de digitalização. Estamos avançando muito no processo de moeda digital e deveremos ter notícias em breve”, disse Campos Neto, sem detalhar.

Ou seja, agora não é mais uma questão de “se”, mas de “quando”. A desídia do atual Banco Central brasileiro para com a moeda apenas torna ainda mais explícita a intenção de uma rápida adoção deste arranjo. Com isso, o artigo abaixo, publicado originalmente em outubro de 2020 — quando o Bitcoin ainda custava “apenas” R$ 77 mil (hoje já está em R$ 343 mil) —, fica ainda mais atual.

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No ano de 2020, algo que já era visível nos anos anteriores se tornou ainda mais claro: governos e bancos centrais não conseguem fazer com que suas medidas de “afrouxamento quantitativo” — isto é, impressão de moeda com o intuito de “estimular a economia” — cheguem a quem precisa.

Em tese, o objetivo de um afrouxamento quantitativo é prover liquidez para os bancos, para que estes, então, emprestem para pessoas e empresas, a juros baixos, para assim estimular  o consumo e o investimento.

Na prática, no entanto, boa parte da moeda que é criada pelos Banco Centrais e repassada aos bancos fica retida no próprio sistema bancário. 

Os motivos deste “empoçamento” são vários, mas o principal é o próprio temor dos bancos de levarem calote: em um cenário de juros artificialmente baixos e de grandes incertezas econômicas, emprestar para pessoas e empresas deixa de valer a pena. É pouco rentável e muito arriscado.

Consequentemente, os bancos preferem reter uma parte do dinheiro, e emprestar a outra parte apenas para grandes empresas (com bom histórico de crédito) e, principalmente, para os próprios governos. Daí o fenômeno dos juros reais negativos nos títulos públicos dos países da Europa

Isso explica também toda a baixa inflação de preços. A base monetária criada pelos Bancos Centrais praticamente não entrou na economia.

Este fenômeno, que começou após a crise financeira de 2008, tornou-se ainda mais intenso durante a pandemia de Covid-19. Na Europa, o fenômeno é mais evidente. A expansão monetária feita pelo Banco Central Europeu praticamente não vaza para a economia. Houve apenas um ligeiro aumento na oferta monetária total, nada percentualmente significativo.

Logo, uma ampla mudança no atual sistema monetário e bancário está por vir. E será uma mudança que afetará a todos: os Bancos Centrais passarão a emitir moedas digitais.

Na prática, todos os Bancos Centrais transformarão suas respectivas moedas nacionais em criptomoedas, com funcionamento semelhante ao Bitcoin.

Já se fala abertamente

Essa ideia foi primeiramente levantada pelo presidente do Banco Central da Inglaterra, Mark Carney, no ano passado. Causou algum furor, mas depois passou.

Porém, com a Covid-19, o tema não só foi ressuscitado, como já se encontra em rápida expansão.

Esta monografia do FMI fala sobre o assunto. O título já é explícito: será a maior transformação monetária desde o acordo de Bretton Woods

O mesmo FMI também está fazendo conferências abertas sobre o tema.

Já o Banco Central Europeu foi o mais incisivo e o mais explícito: sua intenção de implantar um euro digital já está avançada.

O Banco Central da Suécia também está adiantado em seus experimentos. Assim como o Banco Central da China.

Nos EUA, alterações regulatórias já foram feitas, permitindo a custódia bancária de ativos digitais, especialmente o Bitcoin. Uma alteração regulatória deste porte significa não apenas a aceitação do governo de que os ativos digitais vieram para ficar, como também o reconhecimento de que eles são o futuro.

E, recentemente, o Federal Reserve passou a falar abertamente sobre o assunto.

O próprio FMI é tão explícito que já faz até enquete aberta nas redes sociais sobre o tema.

Ou seja: moedas digitais emitidas por Bancos Centrais estão chegando. E irão alterar absolutamente tudo.

As consequências

Realmente, como aludiu o FMI, trata-se do maior evento monetário desde Bretton Woods.

Está fora do escopo deste artigo fazer explicações técnicas e detalhadas sobre o funcionamento das moedas digitais. Basta dizer que as Moedas Digitais Emitidas por Bancos Centrais terão um funcionamento similar ao Bitcoin, com a diferença de que, obviamente, serão emitidas pelos governos.

E isso muda tudo.

Na prática, os Bancos Centrais utilizarão a tecnologia blockchain para transformar as moedas nacionais em criptomoedas. Será uma revolução para o sistema financeiro global tão grande quanto a internet.

Consequentemente, o Banco Central terá total controle sobre a circulação desta moeda. Por meio da tecnologia blockchain — que grava toda e qualquer transação financeira — ele saberá, a todo momento, exatamente quem detém qual dígito em qual carteira. Ele saberá a exata quantia que cada indivíduo tem em suas carteiras digitais. A privacidade financeira será uma relíquia do passado.

Mas o real objetivo de uma moeda digital emitida por um Banco Central é outro: uma moeda digital permite que o Banco Central não mais dependa do sistema bancário para fazer sua política monetária. 

Com uma moeda digital, o Banco Central poderá livremente criar moeda e enviá-la diretamente para a carteira eletrônica de quem ele quiser.

Igualmente, o Banco Central também se torna o executor da política fiscal. Por saber exatamente quem detém quantos dígitos, e por estar ciente de toda e qualquer transação monetária (que serão feitas via transferência de dígitos entre carteiras, e que ficam gravadas no blockchain), ele também terá o poder de tributar e redistribuir.

Isso altera completamente, e para sempre, as políticas fiscal e monetária. Os Bancos Centrais não só poderão se tornar os executores da política fiscal, como também poderão fazer uma política fiscal completamente independente das finanças dos governos. 

Eles poderão, por exemplo, enviar moeda diretamente a donos de restaurantes que foram fechados por causa da pandemia, como uma medida de estímulo. Ao mesmo tempo, poderão punir os poupadores impondo juros negativos — ou seja, cobrando juros — a pessoas que tenham muita moeda parada em suas carteiras.

Um sistema de várias taxas de juros, controlado pelo Banco Central, será a norma. Não mais serão os bancos tradicionais que irão determinar os juros de acordo com riscos ou disponibilidade de capital. Os Bancos Centrais poderão estipular o custo de capital que quiserem para qualquer indivíduo ou empresas que escolherem.

Isso também significa que aqueles que têm um histórico ruim de crédito e que hoje só conseguem empréstimos a juros altos poderão conseguir capital a juros menores. 

Vale enfatizar que, no arranjo atual, em termos puramente contábeis, para o Banco Central criar moeda, ele tem de comprar um título do governo (ou um título privado). Ou seja, a criação de moeda tem como contrapartida a compra de uma dívida que vai para o balancete do Banco Central. Com uma moeda digital, isso acaba. A emissão de uma cripto-moeda não gera nenhuma contra-partida contábil. Ao contrário da moeda fiduciária, que representa um passivo para o Banco Central, a moeda digital não é passivo de seu emissor.

E o principal: tal medida será crucial para a imposição de um sistema de Renda Básica Universal. Com a difusão dos smartphones e da internet 5G, mesmo os mais pobres das regiões mais remotas conseguirão receber moedas digitais em suas carteiras diretamente do Banco Central.

Embora isso irá retirar poderes discricionários dos governos, vale ressaltar que tal arranjo fará com que eles sejam absolvidos de qualquer responsabilidade por qualquer crise econômica futura. Não há por que imaginar que os políticos serão contra isso.

Tudo isso fará com que a economia comportamental assuma a dianteira da política econômica. O Big Data e os dados da atividade em tempo real irão alimentar as decisões da política monetária e fiscal. Os Bancos Centrais poderão criar incentivos diretamente, tanto na forma de recompensa quanto de punição. Eles poderão afetar o comportamento humano de uma maneira bem mais sutil e discreta do que as tradicionais políticas monetária e fiscal. Será uma tremenda alteração em tudo o que sabemos sobre economia, principalmente macroeconomia.

Os Bancos Centrais, em suma, terão o poder de criar e destruir moeda diretamente nas carteiras dos cidadãos, contornando completamente o sistema bancário e toda a esclerosada burocracia estatal que, como vimos durante a pandemia, não conseguiu fazer com que os cheques de estímulos chegasse a indivíduos e empresas.

Com efeito, a evolução mais provável é que as pessoas passem a ter suas contas bancárias diretamente no Banco Central, e não mais em bancos convencionais — uma total mudança de paradigmas.

Liberdade e desvalorização

Muitos dirão que tal arranjo representará a total extinção das liberdades e da privacidade. Sim, mas a realidade é que, hoje, já não temos nenhuma privacidade e nenhuma liberdade em relação ao governo e aos banco centrais caso operemos dentro do sistema principal (isto é, caso não utilizemos Bitcoin e ouro em nossas transações).

E também é fato que as grandes empresas de tecnologia — como Google, Facebook, Twitter e afins — já conseguiram dominar a arte de manipular a economia comportamental como uma forma de alterar o comportamento humano. Logo, neste quesito, também não mudará muito.

No entanto, o ponto-chave aqui — além de uma maneira totalmente revolucionária de coletar impostos, de dar incentivos e ministrar punições, e de alterar todo o sistema atual — é um acordo implícito, forjado pelo FMI, de que os Bancos Centrais mundiais poderão expandir a oferta monetária livremente caso combinem forças e atuem conjuntamente

A ideia é que, em não mais do que daqui a 5 anos, os países deixem de usar o dólar no mercado internacional e adotem, para as transações internacionais, uma moeda digital lastreada em uma cesta de moedas (exatamente como era o plano da LIBRA). E então todos eles poderão expandir, conjuntamente, suas moedas digitais nacionais e assim evitar que determinados países sejam penalizados com movimentações acentuadas em suas taxas de câmbio.

A consequência óbvia disso é que haverá uma desvalorização conjunta de todas as moedas mundiais. Poderá isso criar uma inflação de preços estrutural? Não sei, mas tenho certeza que o debate será intenso. Apenas digo que, por causa das mudanças demográficas (população envelhecendo tende a poupar mais) e do avanço tecnológico (que aumenta a produtividade), as pressões deflacionárias também serão fortes.

Mas posso afirmar com total convicção que essas moedas, globalmente, valerão cada vez menos em relação a ativos sólidos — como, aliás, já está acontecendo.

Como se proteger

E é por isso que, neste cenário, ouro e principalmente Bitcoin irão se tornar a maneira de escapar deste sistema de perda de privacidade e destruição de riqueza. Ambos serão o bote salva-vidas. 

O Bitcoin, em específico, é uma reserva de valor totalmente descentralizada. Seus usuários — ao contrários das moedas digitais estatais — permanecem anônimos. Suas transações não podem ser tributadas, pois estão fora do escopo dos Bancos Centrais (pois não foram estes que criaram o Bitcoin).

E o fato de que sua oferta foi programada para jamais superar 21 milhões de unidades faz com que sua qualidade de reserva de valor se torna ainda mais óbvia — além da privacidade. 

Este é o grande poder da descentralização: não há como governos controlarem.

Ademais, com o tempo, o próprio arranjo tende a criar incentivos para que outros países adotem moedas mais sólidas para atrair capital. É tudo uma questão de seus cidadãos reagirem e começarem a abandonar as moedas nacionais em prol de outras mais sólidas — além do Bitcoin e da rede Ethereum (que também tem sua própria moeda digital, o Ether), vale ressaltar que várias empresas privadas emitem hoje moedas digitais 100% lastreadas em ouro. Certamente será uma alternativa.

O fato é que o impacto que este futuro trará para as criptomoedas privadas já existentes será incrivelmente positivo. Quem já estiver posicionado tende a ser dar bem, pois, futuramente, a corrida para elas em busca de proteção de riqueza e de privacidade será cada vez maior.

Para concluir

Em suma: com a abolição do papel-moeda, nenhuma transação ocorrerá em sigilo. Aqueles que quiserem manter sua privacidade e preservar sua riqueza — escapando das desvalorizações das moedas digitais estatais — terão de encontrar uma maneira de recorrer às criptomoedas privadas (inclusive as lastreados em ouro).

Tudo isso é também uma péssima notícia para os bancos, que serão sitiados pelos Bancos Centrais, pelas FinTechs e pelas criptomoedas já existentes. Eles irão continuamente perder seu papel no sistema financeiro.

Já as criptomoedas serão a proteção. Serão a reserva de valor.

Tudo está mudando e irá mudar cada vez mais rápido. Esteja à frente da curva.

Você sabe quem é o presidente da Suíça?

Simonetta Sommaruga (quem?). Esse é o nome da atual presidente da Suíça.

Mas nem se preocupe em decorar esse nome: ano que vem o presidente já terá mudado. Assim como era outro presidente no ano passado. 

Sim, a Suíça muda seu presidente anualmente.

Aliás, há algo de muito interessante sobre a política suíça: você simplesmente nunca ouviu falar de nenhum político suíço em nenhum momento da história.

Você certamente conhece nomes — atuais ou do passado — de políticos da França, da Alemanha, do Reino Unido, da Itália, da Áustria, de Portugal, da Espanha, da China, do Japão, e dos principais países da América Latina. Uma simples pesquisa no Google irá lhe apresentar toda a equipe do atual chefe de governo de cada um desses países.

Mas você absolutamente nada sabe sobre a política da Suíça. Você simplesmente nunca ouviu falar de nenhum político da Suíça, nem atual nem do passado. Com efeito, você sequer sabe ao certo qual é o sistema político vigente na Suíça.

(Há uma piada antiga que diz que não há corrupção na Suíça porque as pessoas simplesmente não sabem onde estão os políticos que elas devem tentar subornar para conseguir favores.)

A questão é: como é que um país tão famoso (e tão invejado) no cenário internacional possui um executivo totalmente desconhecido?

Os suíços se opuseram a um governo central desde o início de sua história

O começo da confederação suíça nunca esteve relacionado à busca pelo poder.

Do século XIV em diante, enquanto toda a Europa estava dilacerada ou por conflitos territoriais ou por conflitos religiosos (como Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648), os originariamente 8 cantões da Antiga Confederação Helvética eram um microcosmo de paz e prosperidade.

Sim, dentro desses cantões também havia diferenças religiosas, mas sua população, em vez de guerrear entre si, preferiu um acordo: fizeram um pacto de mútua assistência militar para proteger a neutralidade da região e sua paz.

Sacro Império Romano-Germânico havia concedido a essa comunidade de cantões a imediatidade imperial, o que significava que os cantões estavam livres do domínio do Império (eram autônomos) ao mesmo tempo em que faziam parte dele. Considerando-se que as realezas européias extraíam volumosas quantias de impostos de seus súditos para financiar suas guerras que duravam décadas, ser um suíço àquela época era comparável a viver no primeiro genuíno paraíso fiscal da história.

Mais ainda: por qualquer ângulo que se olhe, as seguidas destruições que ocorriam em toda a Europa faziam com que as eventuais diferenças que havia entre os cantões suíços parecessem totalmente insignificantes.

Posteriormente, as diferenças religiosas começaram a crescer também na Suíça, gerando conflitos entre os cantões católicos e os cantões protestantes. Cada um desses conflitos teve seus vencedores, mas, mesmo assim, nenhum deles conseguiu impor uma verdadeira mudança de regime, uma vez que os cantões eram diversos demais para serem governados centralizadamente. Os governos cantonais simplesmente se recusavam a cooperar entre si. Um governo cantonal não seguia ordens de nenhum outro governo cantonal. A única política com a qual todas concordavam era a política externa de neutralidade, a qual acabou por poupar o país de todas as guerras.

Em 1798, porém, o Exército Revolucionário Francês invadiu a Confederação e estabeleceu a República Helvética. A Suíça deixava de ser uma confederação e se tornava um estado centralizado. A soberania cantonal foi abolida e os cantões foram reduzidos a distritos administrativos, tudo à imagem da França revolucionária. A República Helvética, “Una e Indivisível”, foi proclamada e as forças de ocupação estabeleceram um estado centralizador baseado nas idéias da Revolução Francesa.

Mas essas idéias “progressistas” sofreram ampla resistência e foram abolidas 5 anos depois, pois a população suíça se recusava a cooperar com quaisquer tentativas de centralização. A República Helvética era simplesmente incompatível com a mentalidade suíça: os indivíduos exigiam que todas as decisões governamentais fossem feitas em nível cantonal, e não em nível federal.

A centralização e a Guerra Civil da Suíça

A República Helvética acabou em 1803 com a Ata de Mediação, promulgada por Napoleão Bonaparte. O estado centralizado foi abolido.

Mas ainda havia uma pendenga sobre a legitimidade de se ter um governo federal. Após décadas de desavença quanto a essa questão, uma guerra civil acabou por encerrar a querela.

Guerra de Sonderbund (“aliança separada”, em alemão), de novembro de 1847, foi uma batalha originada por sete cantões católicos conservadores que se opunham à centralização do poder e que, por isso, se rebelaram contra a Confederação que estava em vigor desde 1814. Esta foi provavelmente uma das menos espetaculares guerras da história do mundo: com duração de 26 dias, o exército federal perdeu 78 homens e teve outros 260 feridos. Mas saiu vencedor. A Conspiração Sonderbund se dissolveu e a Suíça se tornou, em 1848, o estado que é até hoje.

Apenas pense nisso: a guerra suíça (caracterizada por sua inacreditavelmente baixa violência quando comparada às outras guerras) foi motivada puramente pela rejeição à centralização do poder e pelo ceticismo quanto aos poderes usufruídos por uma entidade grande. E lembre-se de que estamos falando de um país territorialmente pequeno (apenas 41 mil quilômetros quadrados). O resultado foi, e é, um estado relativamente neutro que permite uma maior quantidade de liberdade e prosperidade que praticamente todas as outras nações européias.

O Conselho Federal, impotente por natureza

Mas então, qual é oficialmente o governo da Suíça?

O executivo do país é representado por um órgão chamado Conselho Federal. Ele é composto por 7 membros, sendo cada membro responsável por um dos sete ministérios da Suíça (que lá são chamados de Departamentos). Esses sete membros são nomeados pelas duas câmaras da Assembleia Federal.

A presidência e a vice-presidência do Conselho Federal sofrem um rodízio anual. Já o mandato dos 7 membros é de quatro anos. O atual Conselho é formado por 2 social-democratas, 2 conservadores de centro-direita, 2 conservadores nacionalistas, e um democrata-cristão (Doris Leuthard, que é a atual presidente).

Embora a Confederação da Suíça tenha sido criada para seguir o exemplo dos EUA no que diz respeito ao federalismo e aos direitos dos estados, os suíços conseguiram evitar que o poder executivo se concentrasse em apenas uma pessoa.

É interessante notar que, embora cada país europeu tenha feito (e ainda faça) constantes alterações em sua forma de governo, o formato do Conselho suíço é o mesmo desde 1848. A única mudança política já ocorrida no Conselho Federal foi a recente reversão da Fórmula Mágica, também conhecida como o “consenso suíço”, que é o costume político de repartir os 7 assentos do Conselho entre os quatro maiores partidos: com a chegada do industrial bilionário e opositor da União Europeia Christoph Blocher e seu Partido Popular Suíço, esse acordo político foi chacoalhado. Mais ainda: fez com que uma eventual entrada da Suíça na União Europeia seja ainda mais improvável.

O Conselho demonstra unidade em relação ao povo e a maioria de suas decisões é feita por consenso. E é assim porque seu papel é muito mais decorativo do que funcional, dado que a maior parte do poder é prerrogativa dos cantões. Decisões relacionadas a educação, saúde, assistencialismo e até mesmo criação de impostos são feitas exclusivamente em nível regional. O governo federal não pode editar medidas provisórias e não tem poder de veto.

O presidente da Suíça não tem praticamente nenhum espaço nas discussões políticas e econômicas que ocorrem no país. Portanto, se você não sabia quem é o presidente da Suíça, não se preocupe; vários suíços também não sabem.

O localismo funciona na Suíça

Os cantões suíços são os responsáveis pelo equilíbrio da política: os cantões conservadores são todos aqueles que estão fora das grandes cidades, como Zurique, Genebra e Berna (a capital). A população das comunidades menores rejeita a ideia de ter um governo distante e centralizado em uma capital nacional. Como resultado, os suíços continuamente rejeitam propostas progressistas, como a de abolir a energia nuclear e a de usufruir uma renda garantida de 2,5 mil francos suíços mensais para cada cidadão. Mais de 75% dos suíços foram contra a medida.

Essa propensão ao localismo seria consideravelmente mais difícil não fosse o sistema de democracia direta, muito comum na confederação.

Todas as leis federais são submetidas às quatro etapas abaixo:

1. Um projeto de lei é preparado pelos especialistas na administração federal.

2. Esse projeto de lei é apresentado para um grande número de pessoas por meio de uma pesquisa de opinião: governos cantonais, partidos políticos, ONGs, associações da sociedade civil podem comentar sobre o projeto de lei e propor mudanças.

3. O resultado é apresentado a comissões parlamentares dedicadas ao assunto nas duas câmaras do parlamento federal, é discutido em detalhes a portas fechadas e finalmente é debatido em sessões públicos em ambas as câmaras do parlamento.

4. O eleitorado possui o poder final de veto sobre o projeto de lei. Se qualquer pessoa conseguir encontrar, em três meses, 50.000 cidadãos dispostos a assinar uma petição pedindo um referendo sobre esse projeto de lei, um referendo será marcado. Para que um referendo seja aprovado, o projeto de lei precisa ser apoiado apenas pela maioria do eleitorado nacional, e não pela maioria dos cantões. É comum a Suíça fazer mais de dez referendos em um determinado ano.

Tais referendos explicam por que o Conselho Federal é formado por partidos da situação e da oposição: se não houver consenso, a oposição pode usar a iniciativa popular (referendo) para derrubar qualquer decisão tomada em nível nacional.

O fato é que, entre 1893 e 2014, apenas 22 de 192 iniciativas populares foram aprovadas pelos eleitores.  A reticência com que essas iniciativas são recebidas pelos suíços indica prudência da parte dos eleitores e aversão a leis criadas centralizadamente.

E foi esse sistema de pesos e contrapesos, representado tanto pelos cantões agressivamente localistas quanto pela ferramenta da democracia direta, que tornou a Suíça particularmente resistente ao crescimento do poder do governo, e um dos poucos bastiões da liberdade na Europa.

A importância de manter-se firme aos seus princípios – Mises e seu crescente legado

Um indivíduo que sistematicamente discipline sua vida em torno do objetivo de aprimorar as vidas daqueles que o rodeiam irá deixar um legado. Este legado pode ser positivo ou negativo.

Existem aqueles que estão apenas em busca de poder e que, por isso, irão tentar influenciar a vida de outras pessoas por meio do engano e da adulação. Seu objetivo é mudar corações, mentes e o comportamento daqueles que o cercam. Seu legado tende a ser negativo.

Mas há também aqueles que se esforçam ao máximo para transformar as vidas de terceiros de uma forma positiva. Eles invariavelmente seguem um estilo de vida específico, o qual governa suas ideias e seu comportamento. Eles sistematicamente tentam estruturar suas próprias vidas de tal maneira que eles próprios se tornam demonstrações empíricas da própria visão de mundo que defendem. 

Qualquer pessoa que tenha como o objetivo de sua vida mudar as opiniões de outras pessoas tem de estar comprometida com dois princípios: fazer sempre aquilo que defende e apoiar (de qualquer maneira possível) causas que estejam de acordo com o que defendem. 

Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que a maioria das pessoas não quer mudar sua opinião em relação a nada. Mudar uma única opinião significa que o indivíduo tem de mudar suas opiniões a respeito de vários tópicos. Aquela velha regra é válida: “Você não pode mudar apenas uma coisa”. Portanto, há um alto custo ao se repensar aquelas opiniões que você mais aprecia e valoriza. Pessoas tendem a evitar empreitadas que envolvam altos custos.

Quando alguém é confrontado com uma nova opinião, se esta opinião está relacionada a como as pessoas devem agir, uma das primeiras autodefesas que o ouvinte irá levantar é esta: “A pessoa que está recomendando esta nova ideia vive consistentemente em termos desta ideia?” 

Se é algo óbvio para o ouvinte que esta pessoa não faz o que diz defender, então fica claro que o próprio defensor da ideia não leva a sério a verdade e a efetividade daquilo que ele diz defender. Isto dá ao ouvinte uma maneira fácil de escapar da conversa. A ideia defendida não vingará.

Ludwig von Mises

Meu único encontro pessoal com Mises ocorreu no segundo semestre de 1971. Eu havia sido contratado pela Foundation for Economic Education. Naquela data, eu havia sido convidado para uma cerimônia especial. F.A. Harper havia editado uma segunda coleção de ensaios honrando Mises. O primeiro livro de ensaios havia sido editado pela esposa de Hans Sennholz, Mary Sennholz, e foi publicado em 1956. 

A cerimônia ocorreu em um hotel em Nova York. Após a cerimônia, tive a oportunidade de conversar com Mises sobre vários assuntos, inclusive sua ligação com o sociólogo alemão Max Weber. Weber havia se referido ao ensaio de Mises, O cálculo econômico sob o socialismo, em uma nota de rodapé em um livro que Weber não chegou a completar. Ele morreu em 1920. Mises me disse que ele havia enviado seu ensaio para Weber.

Mises deixou um legado que, desde sua morte em 1973, vem crescendo continuamente. Ele foi um daqueles raros homens que teve duas fases em sua carreira. A primeira fase, que começou em 1912 e terminou após a publicação da Teoria Geral (1936) de John Maynard Keynes, estabeleceu sua reputação de grande teórico econômico.  Seu livro de 1912 sobre moeda e sistema bancário, seu livro de 1922 sobre o socialismo, e seus vários artigos sobre tópicos específicos de teoria econômica o comprovaram um grande teórico. 

Mas sua inflexível oposição a todas as formas de moeda fiduciária estatal de curso forçado garantiu a ele a reputação de um Neandertal do século XIX em um mundo de moedas estatais de curso forçado, o qual começou com a abolição do padrão-ouro clássico no início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Sua hostilidade ao socialismo também contribuiu para seu status de pária. Ele estava vigorosamente resistindo a tudo aquilo que os círculos acadêmicos consideravam ser a onda do futuro. Acadêmicos sempre querem seguir modismos. Mises não era assim.

O triunfo do keynesianismo após 1936, em conjunto com a erupção da Segunda Guerra Mundial em 1939, trouxe um eclipse à carreira de Mises. Na primeira metade da década de 1930, a influência do nazismo na Áustria crescia sombriamente. Sendo um liberal da velha guarda e um judeu, Mises sabia que seus dias estavam contados. Ele temia que os nazistas tomassem o controle da Áustria, e ele estava correto. Sendo um economista defensor do livre mercado — conhecido pela esquerda como o mais implacável oponente do intervencionismo econômico — e um judeu, ele não teria sobrevivido na Áustria.

Sentindo que tais eventos eram apenas uma questão de tempo, Mises aceitou um cargo em Genebra e para lá se mudou em 1934, aceitando um dramático corte salarial. Sua noiva o acompanhou e lá se casaram, não sem antes ele tê-la avisado que, embora escrevesse bastante sobre o assunto, ele nunca teria muito dinheiro.

Mises ficou em Genebra por seis anos, obrigado a deixar para trás sua adorada Viena e tendo de ver, impotente, a civilização sendo despedaçada. Quando os nazistas anexaram a Áustria em 1938, eles saquearam seu apartamento em Viena e roubaram todos os seus livros e monografias. Ele passou a viver uma existência nômade, sem ter a mínima ideia de qual seria seu próximo emprego. E foi assim que ele viveu o auge de sua vida: já estava com 57 anos e era praticamente um sem-teto.

Mas nada disso abalou Mises. Ele seguia concentrado em seu trabalho. Durante seus seis anos em Genebra, ele continuou se dedicando à pesquisa econômica e às escritas. O resultado foi sua até então obra magna, um enorme tratado de economia chamado Nationalökonomie (o precursor de Ação Humana). Em 1940, ele completou o livro, o qual foi publicado por uma pequena editora e com edição extremamente limitada. Mas quão intensa poderia ser, naquela época, a demanda por um livro sobre liberdade econômica escrito em alemão? Certamente não seria nenhum bestseller. E Mises certamente sabia disso enquanto o escrevia. Mas escreveu assim mesmo.

No entanto, em vez de celebrações e noite de autógrafos, Mises naquele ano se deparou com outro evento que mudaria (novamente) sua vida. Ele foi avisado por seus patrocinadores em Genebra que havia um problema. Vários judeus estavam se refugiando na Suíça. Ele foi alertado de que deveria procurar outro lar. Os Estados Unidos eram o novo porto seguro.

Mises então começou a escrever cartas pedindo por posições universitárias nos EUA, mas tente imaginar o que isso significava. Ele só falava alemão. Suas habilidades em inglês se resumiam à leitura. Ele teria de aprender o idioma ao ponto de se tornar exímio o bastante para poder dar aulas. Ele havia perdido todos os seus arquivos, monografias e livros. Ele não tinha nenhum dinheiro. E ele não conhecia ninguém influente nos EUA.

E havia um sério problema ideológico também nos EUA. O país estava completamente dominado e fascinado pela economia keynesiana. A profissão de economista havia sofrido um vendaval. Praticamente não mais existiam economistas pró-livre mercado nos EUA, e não havia nenhum acadêmico defendendo esta causa. No final, Mises se mudou para os EUA sem ter nenhuma garantia de nada. E já estava com quase 60 anos.

Quando ele chegou aos EUA em 1940 como um judeu refugiado, ele era praticamente um desconhecido no país. Ele não tinha nenhum cargo assalariado de professor. Ele já tinha 59 anos. Ele jamais havia estado nos EUA. Mas ele teve uma grande sorte: havia um jornalista nos EUA que não apenas conhecia sua obra, como também havia se tornado um defensor dela em suas colunas de jornal. Seu nome era Henry Hazlitt.  Foi Hazlitt quem estimulou alguns empreendedores, como Lawrence Fertig, a fazer doações recorrentes a Mises.

Mises então passou a depender exclusivamente das doações destes poucos amigos e de alguns artigos que eram ocasionalmente encomendados por algumas revistas especializadas, a pedido destes amigos.

Durante os 30 anos seguintes, Mises foi uma voz solitária e sem recursos em defesa do livre mercado, lutando contra a vastidão keynesiana que dominava a paisagem mundial. Ele criou um seminário na New York University (NYU) para estudantes universitários, o qual durou 25 anos. Murray Rothbard era um dos frequentadores assíduos, embora apenas como ouvinte. Mises nunca recebeu salário da universidade, a qual o relegou ao status de professor visitante. Ele recebia ajuda de doadores. No entanto, não há hoje nenhum professor do departamento de economia da NYU que seja lembrado. Todos foram pessoas sem importância e não deixaram nenhum legado.

A publicação de seu livro Ação Humana, pela Yale University Press em 1949, começou a estabelecer sua reputação nos EUA. O livro vendeu muito mais do que havia sido inicialmente previsto. Este livro foi o primeiro a conter uma teoria abrangente e integrada da economia de livre mercado. Até então, nada remotamente parecido havia sido publicado. Foram muito poucas as pessoas que se deram conta disso em 1949, mas qualquer um que já tenha estudado a história do pensamento econômico sabe que é neste livro que se encontra a primeira aplicação abrangente da teoria econômica para toda uma economia de mercado. A análise é integrada em termos da defesa econômica austríaca da teoria do valor subjetivo e do individualismo metodológico.

Ele continuou escrevendo após 1949. Seus livros foram vendidos pela Foundation for Economic Education (FEE), a qual fez com que ele ganhasse a atenção de leitores que defendiam o livre mercado. Seus artigos começaram a aparecer na revista publicada pela FEE, The Freeman. A revista não era de ampla circulação nos meios acadêmicos, mas era bastante lida pela direita.

Eu comprei uma cópia de Ação Humana em 1960. Naquela época, eu já estava a par da importância de Mises para a história do pensamento econômico, mas, em minha universidade, eu provavelmente era o único estudante que o conhecia. 

Mises sempre foi um obstinado em sua dedicação aos princípios do livre mercado. Provavelmente mais do que qualquer outro grande intelectual do século XX, ele era conhecido entre seus pares como alguém inflexível, que não fazia concessões àquilo em que acreditava. Pelos economistas da Escola de Chicago ele foi chamado de ideólogo. E eles estavam certos. Por causa de sua consistência na aplicação do princípio do não-intervencionismo em cada setor da economia e, acima de tudo, por causa de sua oposição a bancos centrais e à manipulação estatal da moeda, os economistas o consideravam excêntrico. “Excêntrico”, para eles, era sinônimo de “rigorosamente consistente”.

Assim como os nazistas, os soviéticos também sabiam quem era Mises. Após a queda do nazismo, os soviéticos confiscaram as obras de Mises então em posse dos nazistas e as enviaram a Moscou. Suas obras roubadas ficaram em Moscou e nunca foram descobertas por nenhum economista ocidental até a década de 1980. O que foi uma grande ironia: economistas ocidentais não sabiam quem era Mises, mas os economistas soviéticos sim. Isto se tornou ainda mais verdadeiro em meados da década de 1980, quando a economia soviética começou a se desintegrar, exatamente como Mises havia previsto que aconteceria.

A grande vantagem de Mises sobre praticamente todos os seus colegas era esta: ele escrevia claramente. Todos os outros economistas, além de escreverem da maneira convoluta e repleta de jargões, enchem seus escritos de equações. Mises não utilizava equações e nem recorria a jargões. Ele escrevia seus parágrafos utilizando sentenças que eram desenvolvidas de maneira sucessiva. Você pode começar pela primeira página de qualquer um de seus livros e, se prestar atenção, chegará ao fim sem se tornar confuso em momento algum.

Isto era uma grande vantagem, pois as pessoas comuns que se interessavam por economia conseguiam seguir sua lógica. Sua reputação se espalhou no final de década de 1950 e por toda a década de 1960 por causa de seus artigos na The Freeman. Esta revista chegou a ter uma circulação de 40 mil exemplares em alguns anos. Não eram muitos os economistas que conseguiam, naquela época, atingir um público tão amplo e tão variado.

Mises realmente se manteve firme aos seus princípios durante todo o seu tempo de vida. Ele se manteve firme de maneira tão tenaz e obstinada que, por décadas, ele não teve influência alguma sobre a comunidade acadêmica. Todos os economistas o desprezavam ou ignoravam. Porém, após sua morte em 1973, sua influência começou a crescer. Em 1974, seu discípulo F.A. Hayek ganhou o Prêmio Nobel de Economia. Pouco a pouco, a reputação de Mises foi se espraiando. 

Hoje, há vários Institutos Mises ao redor do mundo — todos surgidos voluntária e espontaneamente, sem nenhum financiamento centralizado —, e seu nome é atualmente mais conhecido do que o de quase todos os outros economistas de sua geração, tanto os de antes da Primeira Guerra Mundial quanto os de depois da Segunda Guerra Mundial. O cidadão comum certamente não está familiarizado com os nomes da maioria dos economistas da primeira metade do século XX, e certamente é incapaz de ler e compreender as obras de praticamente qualquer economista da segunda metade.

Portanto, exatamente porque Mises nunca se mostrou disposto a fazer concessões, especialmente na área de metodologia, seu legado tem sido muito maior do que o da maioria de seus finados colegas. O legado de Mises só cresce; o deles, praticamente não existe.

Conclusão

Mises deve ser julgado não somente como um pensador extraordinariamente brilhante, mas também como um ser humano extraordinariamente corajoso. Ele acima de tudo sempre se manteve inarredavelmente apegado à verdade de suas convicções, sem se importar com o resto, e sempre preparado e disposto a atuar sozinho, sem uma única ajuda, na defesa da verdade.  Ele jamais se importou um buscar fama pessoal, posições de prestígio ou ganhos financeiros, pois isso significaria ter de sacrificar seus princípios. 

Durante toda a sua vida, ele foi marginalizado e ignorado pelo establishment intelectual, pois a verdade de suas visões e a sinceridade e o poder com que as defendia e desenvolvia estraçalhava todo o emaranhado de mentiras e falácias sobre o qual a maioria dos intelectuais de sua época — bem como os de hoje — construiu suas carreiras profissionais.

Seus seminários, assim como seus escritos, eram caracterizados pelo mais alto nível de erudição e sabedoria, e sempre mantendo o mais profundo respeito pelas ideias. Mises jamais se interessou pela motivação pessoal ou pelo caráter de um autor, e sim por uma só questão: saber se as ideias daquela pessoa eram verdadeiras ou falsas.  

Da mesma forma, sua postura e comportamento pessoal sempre foram altamente respeitosos, reservados e fonte de amigável encorajamento.  Ele constantemente se esforçava para extrair de seus alunos o que neles havia de melhor, para ressaltar suas melhores qualidades.

O mundo vive hoje mais uma era de planejamento econômico, e estamos vendo os economistas se dividirem em dois lados. A esmagadora maioria se limita a dizer exatamente aquilo que os regimes querem ouvir. Afastar-se muito da ideologia dominante é um risco que poucos estão dispostos a correr. As recompensas materiais são quase nulas, e há muito a perder.

Ser um economista íntegro significa não se furtar a dizer coisas que as pessoas não querem ouvir; significa, principalmente, dizer coisas que o regime não quer ouvir. Para ser um bom economista, é necessário bem mais do que apenas conhecimento técnico. É necessário ter coragem moral. E, no mercado atual, tal atitude está ainda mais escassa do que a lógica econômica.

Assim como Mises necessitou da ajuda de Hazlitt e Fertig, economistas com coragem moral necessitam de apoiadores e de instituições que os suportem e deem voz a eles. Este é um fardo que tem de ser encarado. Como o próprio Mises dizia, a única maneira de se combater ideias ruins é com ideias boas. E, no final, ninguém estará a salvo se a civilização for destruída em consequência do predomínio das ideias ruins.

Poderiam ao menos ter a decência de parar com as justificativas bizarras para o lockdown

Embora eu sempre tenha preferido estudar economia a direito, nunca me arrependi da decisão de obter um diploma de direito além do meu diploma de economia. 

Ao me expor a detalhes do mundo real que, de outra forma, eu teria perdido, estudar direito melhorou acentuadamente minha capacidade de avaliar políticas e processos econômicos.

Alguns economistas, de alguma maneira, compreendem esses detalhes cruciais sem terem estudado direito formalmente. Dentre estes estudiosos impressionantes temos Armen Alchian, Terry Anderson, Ronald Coase, Harold Demsetz, Thomas Sowell e Bruce Yandle. Mas muitos economistas desconhecem esses detalhes. O resultado, muitas vezes, são análise políticas equivocadas e conselhos irrealistas e contraproducentes.

Tais análises e conselhos ruins são especialmente dominantes quando os economistas escrevem sobre as chamadas “externalidades“. 

Externalidades são efeitos causados por terceiros, como quando as ações de Gustavo e Sara têm um impacto sobre o bem-estar de Silas, com Silas não tendo sido consultado por Gustavo ou Sara.

Se este impacto aumenta o bem-estar de Silas, chamamos isso de “externalidade positiva” – como ocorreria, por exemplo, se Sara pagasse a Gustavo para reformar sua casa, aumentando assim o valor de mercado da casa do vizinho Silas. 

Se esse impacto piorar o bem-estar de Silas, nós o chamamos de “externalidade negativa” – como ocorreria, por exemplo, se Gustavo, enquanto trabalha na reforma da casa de Sara, fizesse barulhos altos que incomodasse profundamente Silas enquanto este fazia ioga ou estava em uma reunião importante.

Quando economistas encontram exemplos práticos como esses, seu primeiro instinto é lamentar o fato de Sara e Gustavo ignorarem os impactos de suas ações sobre Silas. Já o segundo instinto é descrever as intervenções que o governo deveria fazer para garantir que Gustavo e Sara levassem em consideração esses impactos. Uma recomendação típica normalmente é tributar as pessoas por qualquer barulho irritante causado por seus projetos de reforma domiciliar.

Os economistas reconhecem que os custos administrativos de se impingir tais políticas são, na maioria das vezes, tão altos, que elas se tornam insensatas. No entanto, pelo menos em princípio, muitos economistas estão propensos a concluir que a ausência de tributação sobre barulhos altos da construção civil faz com que muito ruído desagradável seja feito impunemente em horários impróprios.

A sutil genialidade do direito

O direito, no entanto, frequentemente leva em conta tais efeitos de maneiras que os economistas não percebem. A mais importante destas formas reside na maneira específica com que o direito cria – e se recusa a criar – direitos de propriedade

O padrão resultante e detalhado dos direitos de propriedade é importante.

Na lei anglo-americana, uma pessoa tem direito a uma indenização somente se ela transfere o título de uma propriedade valiosa sem ter tido a intenção de dar um presente (como ocorre em casos de desapropriação), ou se ela sofre a perda de alguma propriedade (ou parte dela) em decorrência das ações de alguém que violou seus direitos de propriedade. 

Portanto, o simples fato de que a ação de Sara aumentou o bem-estar de Silas é insuficiente para criar uma obrigação de que alguém pague Sara por sua ação “positiva”. 

Da mesma forma, o simples fato de Silas sofrer algum incômodo com o barulho das atividades de construção de Gustavo é insuficiente para justificar a cobrança de um imposto sobre Gustavo por suas barulhentas atividades de construção.

O direito se recusa a impor obrigações em circunstâncias como estas porque reconhece uma característica da realidade que os economistas muitas vezes ignoram. 

Ao passo que a economia e o direito entendem que as pessoas, sendo criaturas gregárias, estão sempre causando impactos sobre estranhos, o direito – ao contrário do economista descuidado, um tipo muito comum – reconhece que as pessoas frequentemente interagem repetidamente umas com as outras ao longo do tempo, e o fazem de maneiras que os custos e os benefícios dos efeitos “externos” tendam a se equilibrar para cada pessoa.

O direito, com efeito, reconhece que os custos que Silas sofre hoje com a construção barulhenta de Gustavo na casa de Sara serão compensados por outros benefícios que Silas terá amanhã, como sua própria liberdade de fazer barulho que irritará Sara se e quando ele, Silas, optar por renovar sua casa.

Em outras palavras, naquele cenário em que economistas mais apressados veem “externalidades” – e, portanto, “falha de mercado” –, o direito frequentemente vê as partes compensando umas às outras na forma de atividades práticas.

Por ter suportado o barulho da reforma na casa de Sara, Silas é “indenizado” adquirindo ele próprio o direito de infligir o mesmo tipo de barulho a Sara se e quando ele fizer reformas  no seu imóvel.

O direito também reconhece outra característica desta compensação prática que ocorre ao longo do tempo: tal indenização está embutida nas expectativas sensatas dos membros da comunidade. Se Sara restringir as obras na sua casa a apenas durante a luz do dia, a lei não reconhece o direito de Silas de ficar livre desse barulho. Silas é tratado corretamente como alguém que deve esperar sofrer com tal barulho durante o dia. Da mesma forma, Sara e o reformador de casas Gustavo são tratados como indivíduos que sabem que podem infligir tal barulho à vizinhança apenas durante o dia.

As coisas são diferentes para o período da noite. Se o barulho das marteladas noturnas de Gustavo mantiver Silas acordado (o que afetará profundamente sua produtividade e seu bem-estar no dia seguinte), o direito apoiará a tentativa de Silas de impedir Gustavo de dar marteladas. As pessoas esperam que seus vizinhos tenham a sensatez de não fazer barulhos altos à noite.

Identifique os direitos de propriedade

As expectativas sensatas das pessoas dão origem a direitos de propriedade. Nenhum direito de propriedade de Silas é violado pelas marteladas barulhentas de Gustavo ao meio-dia; já um direito de propriedade muito real de Silas é violado pelas fortes marteladas de Gustavo à meia-noite.

Esta distinção deveria ser, mas frequentemente não é, reconhecida pelos economistas. O que esta distinção significa é que uma externalidade genuína existe apenas quando há uma violação dos direitos de propriedade de alguém. 

Se um homem chega perto de mim calçando sandálias, qualquer desconforto que eu possa sentir por não gostar de ver um homem de sandálias não é uma externalidade, mesmo que eu possa provar objetivamente que minha angústia e meu desconforto ao ver tal cena são intensos. Dado que este indivíduo o direito de usar sandálias em público, e considerando que devo esperar me deparar de vez em quando com homens calçado sandálias, este sujeito não me prejudicou de nenhuma forma jurídica, econômica ou ética.

Em outras palavras, apesar da minha aversão a homens trajando sandálias, o fato de um homem usar uma sandália em público não viola aquilo que os libertários chamam de “princípio da não-agressão“. (O princípio de não-agressão diz que os indivíduos devem ser livres para fazer o que quiserem, desde que não agridam terceiros inocente e não-agressivos.) 

O fato de que a lei protege os direitos de propriedade contra efeitos externos criados por terceiros não permite saltos de lógica. Uma pessoa não pode simplesmente sair gritando que “As ações de Sara afetam negativamente um terceiro, que é Silas!” para então concluir “Silas tem o direito ético, e também deve ter o direito legal, de usar coerção, se necessário, para evitar que Sara o afete negativamente!”

A respiração sem máscara em público é uma agressão contra terceiros inocentes?

A relevância desta distinção entre os efeitos de terceiros que violam os direitos de propriedade de outra pessoa e os efeitos de terceiros que não violam é especialmente crucial hoje. 

Muitos economistas defendem lockdowns, decretos que impõem o uso de máscara e outras restrições voltadas para combater a Covid-19 como meios cientificamente “objetivos” de lidar com as externalidades. 

Da mesma forma, até mesmo alguns libertários justificam lockdowns e outras restrições como sendo não apenas consistentes com o princípio da não-agressão, como, mais ainda, uma consequência direta deste princípio.

No entanto, a pergunta relevante não é: “Se Sara respirar em público sem máscara, estará ela afetando física ou psicologicamente o terceiro e inocente Silas?”. 

A pergunta relevante é: “Se Sara respirar em público sem máscara, estará ela violando algum dos direitos de propriedade de Silas?” 

A resposta à primeira pergunta é irrelevante; a resposta à segunda pergunta é o que realmente importa. 

Somente se a resposta a esta segunda pergunta for “sim”, um economista deve concluir que uma externalidade está em andamento; apenas se a resposta a esta segunda pergunta for “sim”, um libertário deve concluir que Sara está agredindo Silas.

Logo, o que podemos dizer sobre a Covid?

Até março de 2020, nenhum cidadão tinha como um “direito de propriedade” estar livre do risco de exposição a patógenos carregados por indivíduos assintomáticos que continuavam vivendo sua rotina diária. Dado que cada um de nós sempre, e inevitavelmente, expeliu para o ar que respiramos bactérias e vírus que potencialmente prejudicam – e às vezes matam – outras pessoas, a vida como a conhecemos nunca poderia existir se cada um de nós tivesse o “direito de estar livre dessas bactérias e vírus espalhados por outras pessoas”.

Ninguém jamais esperou se tornar livre de tal exposição. Ninguém jamais teve o direito de se tornar livre dessa exposição.

Sendo assim, tem de haver pelo menos uma presunção de que esta mesma regra se aplica ao SARS-CoV-2. Deveria haver pelo menos a presunção de que cada um de nós continua a usufruir o direito legal e ético de continuar cuidando de nossas vidas, de continuar trabalhando, de continuar circulando e até mesmo de continuar mantendo nossos afazeres sem o uso obrigatório de máscaras, não obstante o fato físico de que, ao fazê-lo, corremos o risco de transmitir o vírus a outras pessoas.

Talvez essa presunção seja, como dizem os advogados, “refutável”. Pode ser. Porém, da mesma maneira, posso também “refutar” crenças antigas e enraizadas. Se o jogo é esse, posso também “provar” que uma simples respiração em público configura violação de propriedade. 

Por exemplo, com algum esforço, eu consigo imaginar o surgimento de um patógeno extremamente contagioso e extremante letal para todas as faixas etárias. No entanto, se for comprovado que este patógeno pode ser evitado com relativo sucesso por algumas semanas de lockdown rigoroso, então acabou-se de ser criado um argumento plausível que refuta a arraigada presunção de que nenhum direito de propriedade é violado quando estranhos respiram ar em público. 

Ou seja, neste cenário, ou as pessoas ficam trancadas em casa, ou elas se tornam criminosas por estarem respirando em público. Logo, criou-se um cenário em que respirar em público atenta contra um direito de propriedade criado ad hoc.

E é isso o que estamos vivendo hoje.

Lockdowns ignoram conceitos básicos de externalidade

Não só a gravidade do SARS-CoV-2 dificilmente chega a um nível que justifique uma mudança tão grande na lei e na ética, como também ignoraram a antiga regra de que nenhum direito de propriedade é violado pela respiração de outras pessoas que estão levando suas vidas normais. 

Repentinamente, há um ano, o medo histérico de Covid – e o irresponsável incitamento desse medo por políticos e a mídia – fez com que as pessoas simplesmente esquecessem que ninguém tem “o direito” de ficar livre do ar respirado por outros.

Ademais, como já foi explicado na mais importante análise sobre externalidades já escrita — O Problema do Custo Social, de Ronald Coase —, externalidades são bilaterais. Você só irá conseguir me afetar se eu estiver na posição de ser afetado por você. Em termos práticos, isso significa que há mais de uma maneira de reduzir as chances de as pessoas serem contaminadas pelo coronavírus: você pode tomar medidas para reduzir o seu risco de me infectar, ou eu posso tomar medidas para reduzir o meu risco de ser infectado por você.

Esta realidade, no entanto, é totalmente ignorada por aqueles que clamam para que toda a população seja colocada em lockdown e drasticamente altere seu comportamento. 

Por que presumir que as medidas corretivas devem ser tomadas por aqueles rotulados de “espalhadores do vírus” (a esmagadora maioria dos quais em perfeita saúde) e não por aqueles que realmente estão no grupo de risco de sofrerem seriamente caso sejam contaminados? Nunca foi apresentada uma resposta satisfatória para isso. 

Exige-se que os saudáveis e aptos sejam trancados em casa e proibidos de trabalhar e circular (tendo suas vidas destruídas), e ignora-se que o real grupo de risco também pode tomar medidas para se proteger das externalidades negativas.

Não faz sentido nenhum — nem em termos legais, nem em termos econômicos — proibir toda a população de circular e de trabalhar (e, consequentemente, de ganhar seu próprio sustento) com o intuito de evitar que pessoas de uma determinada faixa etária sejam contaminadas por um vírus. 

Deve-se defender que estas pessoas adotem medidas para se proteger das externalidades de terceiros, e não que terceiros tenham suas vidas destruídas em troca de não respirarem sobre pessoas que podem e devem se proteger.

Qualquer pessoas temerosa de ser contaminada tem a liberdade de ficar em casa. Mas ela não tem o direito de proibir outras de manterem sua rotina diária. E tampouco de proibi-las de respirar em público.

Para concluir

Economistas cientificamente falhos e pró-lockdown exclamam “Reduzam as externalidades!”. Libertários com um fraco comprometimento com a liberdade juram serem os verdadeiros defensores da liberdade ao repetir, ininterruptamente, que “devemos honrar o princípio da não-agressão!”. 

Mas nem esses economistas nem esses libertários dedicaram algum tempo para considerar os detalhes complexos do mundo real a partir dos quais os direitos dos indivíduos emergem e nos quais esses direitos estão enraizados e definidos.

Em sociedades livres, o potencial impacto negativo de Sara no bem-estar da terceira parte Silas nunca foi considerado uma razão suficiente para impedir coercivamente que Sara aja de maneiras que se acredita darem origem a esse impacto negativo. Qualquer uma dessas regras teria paralisado completamente a sociedade no momento em que foi adotada.

Infelizmente, essa regra foi adotada – ou, na verdade, imposta com violência – em 2020. E é de se temer que essa regra destrutiva permanecerá conosco por muito tempo.

A política é uma mentira e a antipolítica é uma verdade

Enganar, mentir e ludibriar estão entre as principais atribuições da política. Não há qualquer verdade na política, porque a política é um conjunto de falácias, mentiras e irracionalidades combinadas em ideologias variadas — de forma a fazer sentido para determinados públicos, igualmente variados —, que se prestam a ser enganados, iludidos e cativados por populistas coletivistas que acreditam serem anjos iluminados e ungidos, predestinados a governar o rebanho. Indubitavelmente, a ignorância generalizada da população com relação à real natureza da política é fundamental para que ela continue existindo.

A política, no entanto, só existe e é passível de se perpetuar indefinidamente porque a população aprecia ser enganada e ludibriada, sendo constantemente cativada pela ilusão de que todas as suas utopias, fantasias e sonhos irão se concretizar se o populista da sua preferência vencer as próximas eleições. A política é uma fábrica de utopias e todo político é, essencialmente, um vendedor de ilusões. O único real “trabalho” de um político é levar o seu eleitorado a acreditar que, se votarem nele, todas as ambições de progresso e prosperidade do rebanho irão se realizar.

As pessoas inteligentes, no entanto, sabem perfeitamente que a classe política nada mais é do que uma coalizão de bandidos oportunistas, cuja ocupação primária é enganar a população, em nome da mais aviltante demagogia ideológica, onde o que conta de verdade são aspirações ostensivamente egoístas, autoritárias e carreiristas.

Especialmente em uma democracia, as pessoas que ingressam na política o fazem unicamente com o propósito de adquirir inúmeras vantagens às custas de terceiros, para tornarem-se indivíduos ricos e abastados, e assim usufruir de uma vida de abundante luxo, suntuosidade, conforto material e imensurável prestígio. O truque está em ingressar nessa carreira parecendo embarcar em uma missão benigna e altruísta. O candidato precisa parecer tudo aquilo que ele não é — um sujeito incrivelmente abnegado, generoso e benevolente, genuinamente preocupado com o próximo. Na política, imagem é tudo. Você não precisa ser. Precisa apenas parecer.

A política como um meio de vida serve perfeitamente às ambições e aspirações de quem deseja enriquecer com facilidade, sem ter que fazer esforço algum. Políticos não são indivíduos produtivos, nem precisam atender demandas reais para atingir os seus objetivos. Tudo o que aspirantes a parasitas precisam para ter uma duradoura carreira na política é ter uma boa oratória, capaz de cativar o populacho com discursos patrióticos, sentimentais ou que apelam para a consciência de classe.

A única coisa que a classe política faz com formidável competência, rapidez e eficiência é aumentar os próprios salários, privilégios e benefícios. Políticos apreciam viver um estilo de vida nababesco, onde quem trabalha e paga a conta é você, mas quem usufrui de todos os privilégios e benefícios são eles. Mas é claro que para o grande público, eles fazem uma propaganda diferente, frequentemente ostentando uma humildade e modéstia que não são verdadeiras.

Infelizmente, é especialmente difícil fazer o brasileiro perceber que a política não existe para beneficiá-lo de forma alguma. Antes o contrário. Qualquer percepção benévola ou positiva acerca da política é resultado de maciça e sistemática lavagem cerebral. A política existe para beneficiar quem faz parte da máquina de espoliação estatal, cujos integrantes vivem muito bem — com um padrão de vida suntuoso, superior ao de monarcas de países de primeiro mundo —, graças às riquezas ostensivamente surrupiadas e subtraídas da sociedade produtiva e de todos aqueles que efetivamente trabalham para criar, gerar e agregar valor através da proficiência do mercado.

A política não existe e nunca existiu para beneficiar o cidadão comum; sua função primordial é roubá-lo e deixá-lo sempre em uma condição de privações e depauperamento crônico. A política na prática é uma ferramenta das grandes oligarquias econômicas, criada unicamente com o objetivo de prejudicar a maioria, em benefício de uma minoria privilegiada. Qualquer percepção em contrário é uma falácia ideológica criada para diminuir à resistência da população à soberania do establishment e da espoliação estatal.

Políticos vivem para enganar, roubar, mentir e ludibriar os eleitores. Eles realmente não se importam nem possuem compromisso algum com a ética, com a verdade ou com princípios morais. Se possuíssem, não estariam na política. Todos os incentivos da política — como roubar, dominar e mentir — são essencialmente iníquos; portanto, todas as suas prerrogativas básicas serão sempre inerentemente sórdidas e  oportunistas. A política é a arte do autoengano por excelência, estimulada por imorais e cínicos demagogos populistas que estão preocupados unicamente em continuar sua ascensão na hierarquia de comando, em uma busca frenética, ensandecida e permanente por poder absoluto.

Por essa razão, candidatos frequentemente apelam para determinados recursos políticos popularescos, usando e abusando de ideologias variadas, como patriotismo, nacionalismo e discursos antissistema — até mesmo empregando quando apropriado o sentimentalismo vulgar —, para tentar despertar emoções e cativar eleitores.

De fato, para se manter, a política — a arte de dominar e subjugar seres humanos de forma não-violenta — precisa necessariamente ignorar ativamente a realidade e incentivar a população a fazer exatamente o mesmo; pois, se analisarmos profundamente sua estrutura e sua natureza, ficará muito evidente que a política causa muito mais prejuízos do que benefícios para a sociedade.

A principal estratégia da política consiste sempre em mentir indefinidamente, com o nítido objetivo de desviar a atenção da população para problemas menores e irrelevantes, criando distrações que não permitam à sociedade perceber que a maior parte dos problemas dos quais ela sofre são criados pelo próprio estado, responsável por aplicar na prática as abstrações defendidas pela política.

A política sempre troca os fatos e a realidade por narrativas ideológicas oportunistas. Eis aqui dois exemplos, a começar pela coronazismo.

No caso da ditadura do coronavírus, o governo — através de medidas totalitárias, como quarentenas e lockdowns — proibiu a população ativa de trabalhar e produzir, para induzir empresas a irem à falência. Depois o estado ofereceu uma esmola assistencialista aos cidadãos, na tentativa de se promover como o grande salvador de um problema que ele mesmo causou. Como Harry Browne declarou, “O governo é bom em uma coisa. Ele sabe como quebrar as suas pernas apenas para depois lhe dar uma muleta e dizer: veja, se não fosse pelo governo, você não seria capaz de andar!”.

Ao afirmar que a crise econômica foi causada pelo coronavírus, o governo e os veículos oficiais de comunicação da mídia mainstream estão deliberadamente mentindo. E é justamente esse o maior sustentáculo do estado e da política — a mentira. A recessão que sofremos foi causada pelas medidas arbitrárias das quarentenas e lockdowns, que nunca foram eficazes para conter a disseminação do vírus. Adicionalmente, é completamente imoral, antiético e tirânico obrigar pessoas a ficarem reclusas em cárcere privado, condenando-as a ficarem desempregadas, morrerem de fome ou induzindo-as ao desespero — que frequentemente leva ao suicídio —, porque os dirigentes políticos unilateralmente decidiram que essa era a medida apropriada a ser adotada.

O armamento civil é outro assunto a respeito do qual o estado difunde mentiras em níveis tão alarmantes quanto patológicos. A maioria dos integrantes da classe política afirma falsamente que quanto mais armas houver na sociedade, mais violência haverá, quando isso é uma mentira descarada. Armas nas mãos de cidadãos comuns garantem proteção à sociedade.

A verdade obscura por trás das mentiras que tentam coibir ativamente o armamento civil buscam ocultar a ambição do estado de arregimentar o monopólio da violência. Por temer insurreições populares, a classe política se opõe ao armamento da população, pois tem plena consciência de que cidadãos armados podem deflagrar uma guerra civil e depor todos os dirigentes que estão no poder, se o nível de descontentamento da sociedade com o governo for grande. A probabilidade de uma reação popular radical, no entanto, é drasticamente reduzida quando a população está desarmada. O governo na verdade desarma os cidadãos em nome da sua própria estabilidade e segurança. É o medo de uma insurreição popular que leva o estado a engajar-se em sórdidas campanhas contra o armamento civil e a impor aberrações como o estatuto do desarmamento.

Não obstante, desarmar cidadãos — além de ser terrivelmente contraproducente — é uma atitude absurdamente imoral e antiética. O estado é ostensivamente ineficiente ao tentar oferecer segurança à população; além da segurança precária, proibir e privar os cidadãos de recursos para a autodefesa contra bandidos e criminosos constitui um bárbaro e deplorável crime contra a humanidade.

Ao proibir o armamento civil, o governo não está promovendo a segurança, mas na verdade está institucionalizando a vulnerabilidade dos cidadãos. Os crimes violentos na verdade aumentarão, porque criminosos terão plena certeza de que os cidadãos estarão desarmados — e portanto, totalmente vulneráveis e indefesos. Isso irá encorajar a ocorrência de crimes, e não diminuí-los. Uma medida terrivelmente arbitrária como o estatuto do desarmamento, portanto, vai na contramão da segurança, tanto individual quanto coletiva.

E evidentemente — ao contrário do que muitas pessoas pensam —, convém enfatizar que mesmo quando o armamento civil é proibido, isso não impede criminosos de andarem armados. Como criminosos não seguem leis, o proibicionismo acaba coibindo apenas pessoas moralmente decentes de possuírem armas. O que invariavelmente só agrava o problema.

O proibicionismo não acaba com as armas, apenas restringe sua circulação entre pessoas corretas. Leis que promovem o desarmamento simplesmente fazem com que o maior número de armas em uma sociedade acabe nas mãos de bandidos, criminosos e contraventores, ao passo que o número de pessoas decentes com armas será desproporcionalmente inferior.

Esses exemplos ilustram efetivamente a real natureza da política. Ela não resolve os problemas da sociedade, ela cria problemas, que os indivíduos invariavelmente terão que resolver sozinhos.

A verdade que a política deliberadamente busca ocultar a todo custo, no entanto, é que o estado é uma instituição autocentrada — que busca ativamente saciar os seus próprios interesses —, sendo completamente indiferente a realidade e as necessidades da população. Para o estado, o que realmente importa é mentir para manipular informações e manter o poder.

Da mesma forma que a mentira, a demagogia é uma parte indissociável da política. Para parecer relevante, um político precisa se mostrar como tudo aquilo que ele não é: aguerrido, combativo, prudente, destemido, corajoso e audacioso. Mas a verdade é que essas criaturas do pântano — legítimos produtos do sistema —, na realidade buscam proteger os seus senhores, os oligarcas corporativistas que são os verdadeiros detentores do poder.

Por essa razão, a política jamais ataca as reais causas dos problemas que afligem a sociedade — o establishment, o corporativismo, o banco central, o intervencionismo, a estrutura de poder estatal, os privilégios das oligarquias e a carga tributária excruciante que sufoca e escraviza cada singular cidadão brasileiro são algumas das inúmeras dificuldades que o sistema impõe a sociedade. Mas a política — por mais que tente negar isso —, de um modo geral está altamente comprometida em manter o sistema exatamente como ele está. Por essa razão, a política estará sempre atacando os sintomas dos problemas, mas nunca as suas verdadeiras causas.

Em virtude desse fato, é evidente que a intenção da política não é, jamais, resolver problemas, mas criar continuamente espantalhos através de narrativas falaciosas, que desviem a atenção da população para as reais causas dos problemas.

A política é a arte de criar dificuldades, fazendo com que elas pareçam soluções. No final das contas, seu objetivo será sempre um só — beneficiar a elite governamental. O sistema existe para prejudicar a muitos, em benefício de poucos.

É muito fácil perceber a realidade quando damos um pouco de atenção para a classe política, que usufrui de um estilo de vida suntuoso e nababesco. Enquanto os marajás da fauna estatal permanecem vivendo como senhores onipotentes, devidamente encastelados em suas esplêndidas torres de marfim, ganhando salários extravagantes, superiores até mesmo ao de parlamentares europeus — completamente indiferentes ao sofrimento de grande parte da população, que banca com o dinheiro confiscado através de impostos extorsivos todos os custos excruciantes da elite governamental —, no mundo real, a sociedade tem que lidar com todas as deploráveis arbitrariedades que o sistema deliberadamente coloca em suas vidas. E todas essas dificuldades foram exponencialmente multiplicadas e potencializadas pelas funestas e criminosas medidas restritivas implantadas pela ditadura do coronavírus.

Completamente alheios e indiferentes a tudo o que se passa no mundo real, a classe política e a elite governamental são totalmente indiferentes às dificuldades que acometem os cidadãos comuns. Com as quarentenas e lockdowns, a população passou a sofrer adversidades severas de forma contumaz, sendo a fome e o desemprego as dificuldades que mais afligiram os brasileiros desde que começou a ditadura do coronavírus.

Essas adversidades — em sua maioria — foram criadas, disseminadas e potencializadas pelo prepotente, autocrático e mafioso estado brasileiro, que nunca para de gerar dificuldades para os cidadãos, enquanto garante um extenso cabedal de privilégios e benefícios para os seus.

A verdade é que políticos não se importam com a população. Eles estarão sempre em busca de poder e controle absolutos. É isso o que os motiva. Eles jamais buscarão qualquer coisa além disso. Desejo irrefreável por poder e riquezas são intrínsecos à política. Políticos e burocratas não querem justiça, prosperidade, progresso e desenvolvimento. Eles querem uma população pobre, iletrada e miserável que dependa da “benevolência” deles. Eles querem uma população pobre e destituída que acredite nas mentiras deles e vote neles. Isso é a política. A política não é e nunca foi absolutamente nada além de um grotesco e degradante festival de mentiras, hipocrisia e demagogia em larga escala, onde candidatos a tiranos com vocação para iludir as massas fazem multidões de imbecis acreditarem que um projeto pessoal de poder é na verdade uma passagem para o paraíso.

Lamentavelmente, muitas pessoas acreditam na suprema farsa da política. Os populistas e os psicopatas carreiristas que fazem parte do sistema político sabem perfeitamente como enganar o populacho e usam de todos os seus astuciosos ardis retóricos para se tornarem verdadeiros mestres na arte da manipulação e da dissimulação — que são justamente os principais ingredientes da política.

Infelizmente, em função de extrema credulidade, a população acredita cegamente em todos os seus líderes, e se dispõe a aceitar a servidão pacificamente, em virtude de exacerbada doutrinação. Os indivíduos que efetivamente questionam o sistema são minoria, os que realmente tentam ser independentes são ainda mais raros.

Políticos demonstram enorme preocupação com a população e dão fervorosa atenção ao seu público em época de eleições, mas quando chegam ao poder, não tem pudor algum em fazer tudo aquilo que for politicamente vantajoso, não importa se isso contradiz sua ideologia ou suas promessas de campanha. Por não compreenderem como de fato funciona a política, os eleitores realmente se iludem achando que o governo se interessa pelas demandas populares e realmente tem algum interesse em servir o povo.

Posteriormente, quando veem que todas as promessas de campanha do seu ídolo não foram realizadas, alguns eleitores ficam amargurados e desiludidos. Mas a grande maioria continua acreditando na política e permanece disposta a votar nas próximas eleições.

Infelizmente, a população foi tão doutrinada pela propaganda política que tentar despertar os cidadãos para a realidade é uma tarefa bastante ingrata, para não dizer quase impossível. Diante dos fatos, é razoável constatar que a grande maioria das pessoas realmente não se importa com a realidade; elas querem simplesmente continuar sendo escravas de um sistema vil, pérfido e degradante, que as tiraniza das formas mais malignas e deploráveis possíveis.

Não obstante, isso não deve nos desencorajar, tampouco nos impedir de enxergar a verdade ou de compreender a realidade como ela realmente se apresenta. De uma forma ou de outra, individualmente, podemos e devemos continuar resistindo contra a implacável tirania do sistema político.

Por essa razão, é necessário continuar resistindo. O espírito crítico, intelectual e independente é uma ferramenta essencial do indivíduo para se proteger da manipulação do sistema político, que cativa, conquista e aprisiona as massas com grande facilidade, sem que elas percebam.

Contra a tirania do estado democrático de direito, a razão continua sendo uma ferramenta fundamental de resistência pacífica. Da mesma forma, a informação, a autonomia e a iniciativa individual são elementos essenciais para emancipar a sociedade, libertando-a da escravidão política.

Controle de preços: quando boas intenções não bastam

O controle de preços já foi adotado em diversas épocas e nos mais variados locais e embora ele tenha se mostrado contraprodutivo, ainda é comum ver políticos defendendo esse tipo de medida e recebendo grande apoio popular. Porém esse apoio vem do desconhecimento de qual é a verdadeira função dos preços. Função que iremos explicar ao longo desse texto.

Antes de tudo é preciso entender que o valor das coisas é subjetivo. Se eu coloco a venda um produto por 10 reais, significa naquele momento eu valorizo mais os 10 reais do que o meu produto, senão eu não o venderia. E caso alguém o compre, aquela pessoa só está comprando porque ela valoriza mais o meu produto do que os 10 reais dela. Caso uma das partes não acreditasse que a troca é benéfica, ela não ocorreria.

Sabendo que o valor das coisas é subjetivo, vamos entender a formação dos preços. O preço é análogo a um cabo-de-guerra, as pessoas tentarão “puxá-lo” para o lado que for mais conveniente para elas. Cada comprador valoriza subjetivamente um produto, de forma que estão dispostos a pagar preços diferentes. O vendedor, a fim de aumentar sua renda, prefere vender para aqueles dispostos a pagar mais (como num leilão), e o comprador, a fim de manter seu dinheiro, prefere comprar de quem cobra menos. Assim, o preço é o resultado dessa barganha entre vendedores e compradores. Quanto mais vendedores, menor o poder de barganha de cada um deles (eles competirão pela venda), assim, os compradores terão mais opções e tendem a comprar de quem cobrar o menor preço. A lógica se mantém na situação inversa: quanto mais compradores, menor o poder de barganha de cada comprador (eles competirão pela compra), e o número de pessoas dispostas a pagar mais caro aumenta, os vendedores terão mais opções e venderão para os que estiverem dispostos a pagar mais, ou seja, cobrarão mais caro sem diminuir as vendas, e assim o preço sobe.

Agora vamos entender para que servem os preços. A função dos preços é transmitir informações entre os agentes econômicos, para que estes tomem decisões. Quais são essas informações? São os custos e a razão demanda/oferta, isso reflete nos preços. Um exemplo: se acontecer algo que prejudique a safra de arroz, ele será menos produzido e terá sua oferta diminuída. Ao ficar mais escasso, haverá menos arroz para a mesma quantidade de compradores, logo, a competição dos compradores pelo arroz aumenta, e pelo processo já explicado, o preço sobe. Repare, a informação do problema ocorrido na safra foi levada ao consumidor através do preço, porém não é necessário entender nada de arroz, nem saber o que aconteceu com a safra ou qualquer que seja a causa do aumento, para tomar a decisão de comprar menos arroz devido à sua escassez, basta ver o preço na etiqueta do supermercado para assim o comprador tomar a decisão que julgue mais adequada. Uns deixarão de comprar, outros substituirão o arroz por outro alimento, outros não se sentirão afetados e continuarão comprando. Preço é a forma de comunicação dos agentes econômicos (vendedores e compradores). É o valor pelo qual o vendedor aceita renunciar a seu produto. O preço é a combinação das informações econômicas de um determinado produto.

Qualquer mudança nessas informações tende a ser refletida no preço. Obviamente, isso tudo não se restringe ao arroz, vale para todos os bens escassos.

O sistema de preços comunica informações que influenciam a tomada de decisão das pessoas. Os preços são uma forma de controlar a escassez: um produto escasso se torna mais caro, fazendo com que os compradores consumam menos, caso contrário, poucos compradores poderiam rapidamente acabar com os estoques. A diferença de preço de um mesmo produto em lugares distintos permite aos vendedores saber onde há maior demanda, onde as pessoas necessitam mais daquele produto, ou seja, onde estão dispostas a pagar mais. A fim de aumentar sua renda, os vendedores optarão por comercializar onde o preço é maior, e assim, vendendo primeiro onde o preço é mais alto, as necessidades dos consumidores que mais desejam aquele bem são atendidas primeiro. Porém, o preço não se mantém alto eternamente, conforme a necessidade é suprida, a informação (demanda/oferta) muda: uma vez que os consumidores já estão satisfeitos e não têm a intenção de comprar mais do produto em questão, a demanda diminui; e o produto que antes era escasso, agora está disponível, a oferta aumentou. O preço que antes era alto, agora é mais baixo. E assim, novos vendedores sabem que deverão comercializar em outros lugares menos saturados.

Agora que sabemos para que servem os preços vamos entender o problema de controlá-los. Controle ou tabelamento de preços é o nome dado a quando a variação “natural” de um preço é impedida por meio de uma ordem coercitiva (imposta através da força). Controlar um preço faz com que a informação transmitida seja diferente da informação real, e quando os agentes econômicos avaliarem suas decisões, decisões irracionais parecerão racionais.

Investimentos inviáveis parecerão lucrativos, empréstimos inviáveis de crédito parecerão vantajosos, produtores não saberão quanto produzir e comerciantes e clientes ficarão desorientados, mas dificilmente perceberão isso. O controle de preços pode ocorrer de duas formas: impedir os preços de subir ou de abaixar. Analisaremos esses dois casos nos parágrafos seguintes.

Proibindo o preço de aumentar: imagine que João é um pai de família que vende um produto X e obtém sua renda a partir disso. Devido a algum motivo, o custo desse produto aumenta, de forma que o comerciante precisa despender mais dinheiro para poder revendê-lo. A fim de manter a sua renda e seu poder de compra, o comerciante sente-se inclinado a repassar esse aumento do custo, incluindo-o no preço final do produto. Agora suponha que seja aprovada uma lei que proíbe esse preço de aumentar. O primeiro pensamento que nos vem à cabeça é: “isso é bom, assim os consumidores ficam protegidos do aumento do preço”, porém, este raciocínio é “míope” e somente enxerga a primeira consequência dessa proibição. Como dito, o comerciante não pretende ter sua renda diminuída, isso significaria menos poder de compra e redução do seu padrão de vida e de seus familiares. Para evitar que isso aconteça, ele preferirá vender outros produtos no lugar do produto X. Como consequência a oferta do produto X diminui, pois, João e os demais comerciantes têm agora um menor incentivo para vendê-lo.

Mas as pessoas ainda irão desejar tal produto, ou seja, ainda existirá a mesma demanda pelo produto X. Do ponto de vista dos consumidores, a situação piorou, pois, como os comerciantes perderam o incentivo para vender tal produto, ele desaparece das prateleiras.

Assim, não é possível para João vender seu produto legalmente e manter sua renda ao mesmo tempo. Porém, com a diminuição da oferta e sabendo que ainda existem pessoas dispostas a comprar, vendê-lo de forma ilegal se torna atrativo. Na ilegalidade não há controle de preços e o comerciante se vê tentado a manter sua renda, ou até incrementá-la consideravelmente, pois a escassez do produto aumenta seu valor e os riscos envolvidos na ilegalidade só valem a pena se um alto preço for cobrado. Se não for João, algum outro comerciante mais ousado o fará. Essa é mais uma consequência previsível criada por controle de preços: mercados negros.

Podemos ver que nesse caso existe um abismo entre as intenções e os resultados. A intenção era de ajudar o consumidor fazendo com que ele não pagasse mais caro pelo produto X, porém o que aconteceu de fato foi que agora o consumidor se vê diante de um novo trade-off (escolha), entre ou ficar sem o produto ou pagar um preço muito maior do que seria se não existisse o controle de preços.

Expectativa: produto caro –> produto barato

Realidade: produto caro –> produto em falta ou ainda mais caro no mercado paralelo.

Agora que sabemos o que ocorre quando um preço é proibido de subir, vamos analisar o que acontece quando a queda de um preço é proibida.

Proibindo o preço de diminuir: se a situação anterior causa escassez do produto, esta causa excesso. Ao proibir que o preço caia, teremos um produto com um preço forçadamente maior do que o preço real. Como explicado anteriormente, o preço carrega informações sobre a razão demanda/oferta de um bem, e as pessoas irão agir conforme essas informações. Ao aumentar forçadamente o preço de um produto, a informação repassada se distancia da informação real e decisões irracionais serão tomadas. Com um preço artificialmente alto, tal bem será falsamente visto como lucrativo pelos comerciantes. Produtores se sentirão tentados a aumentar a produção desse bem, visto que o preço está alto, gerando um aumento de oferta. Porém, do ponto de vista dos consumidores, o produto está mais caro do que deveria, o que leva as pessoas a comprarem menos, diminuindo a demanda. Logo essa situação cria um excesso de oferta em relação a demanda, fazendo com que estoques fiquem parados e investimentos não recebam o retorno esperado, pois as vendas diminuem e não se pode baixar o preço. Porém, estoques são custosos, existem gastos associados a mantê-los, fazendo com que se livrar do produto gere menos prejuízos do que mantê-lo ali, na expectativa de que um dia seja vendido. Geralmente os Estados cobram impostos sobre vendas e doações, fazendo com que a simples doação do produto em excesso (e que não será vendido) também represente custo e prejuízo aos comerciantes.

Dessa forma, a única opção não custosa é simplesmente descartar o produto. Quando surgem notícias sobre produtos que foram destruídos pelos produtores, muito provavelmente há um controle de preços por trás.

Como vimos nessas explicações, as tentativas de impedir a flutuação “natural” dos preços até podem possuir boas intenções, mas as leis da economia nos permitem prever e a história nos fornece evidências de que essas boas intenções não estão embutidas nas consequências. Embora o discurso seja de que isso vai ajudar a população, o resultado é bem diferente. Seguindo um raciocínio do Nobel em economia Milton Friedman: “não se pode julgar políticas públicas por suas intenções e sim por seus resultados”.

Um exemplo disso que ainda está próximo a nós, é o que ocorreu no Brasil no final da década de 1980. Nessa época houve um controle generalizado dos preços e o presidente José Sarney tabelou o preço de vários produtos e convocou a população a fiscalizar os preços dos supermercados. Como dito, quanto mais severo é o tabelamento, mais severas são as consequências. O incentivo era comprar os produtos o mais rápido possível antes que os estoques acabassem. O resultado prático foi uma alta escassez de produtos, enormes filas e, como esperado, um grande mercado paralelo onde os produtos eram vendidos mais caros. Pergunte a alguém que viveu na época sobre os famosos “fiscais do Sarney”. Eles têm experiências interessantes para contar.

O dia em que Trump entrou em pânico e destruiu sua presidência

Embora meus conselheiros me digam que a resposta a este novo vírus será diferente em todos os cinquenta estados por causa de algo sobre os “direitos dos estados” na Constituição, meus bilhões de apoiadores nos Estados Unidos e em todo o mundo podem ter certeza de que não irei abandona-los. Não vou ficar sentado assistindo governadores esquerdistas destruírem esta bela economia que minhas políticas criaram.

    Nenhuma grande nação permanece grande destruindo empresas e empregos. Portanto, marque minhas palavras: se algum governador em qualquer um dos nossos 50 estados decretar lockdown, esses governadores logo terão um visitante regular com um grande e bonito 747 para lidar com ele: eu. Farei campanha interminável em estados que tiram negócios, empregos e liberdade de seu povo. Melhor ainda, vou envergonhar governadores tão sem noção a ponto de lutar contra um vírus com desespero econômico. Portanto, deixe isso servir como um aviso: embora meu poder sobre os estados não seja absoluto, logo parecerá que é.”

Imagine se o então presidente Donald Trump tivesse pronunciado essas palavras em março passado. O mundo seria sem dúvida um lugar muito diferente hoje.

Para dar um contexto histórico, os leitores familiarizados com a história política de Ronald Reagan também estão familiarizados com um ditado que era rotineiramente proferido pelas pessoas mais ideologicamente próximas do 40º presidente: “Que Reagan seja Reagan”, eles diriam. Não tente mudá-lo, não tente fazer dele o que ele não é, ele é melhor quando é ele mesmo.

Isso é importante tendo Donald Trump em mente. Desde sua derrota na eleição de novembro passado, tem havido todos os tipos de artigos de opinião sobre como Trump ainda seria presidente se tivesse dispensado o Twitter, se tivesse se sentado e deixado Joe Biden falar e assim perder a eleição no primeiro debate, se ele não tivesse travado tantas lutas com outros republicanos, se ele fosse mais conservador, menos conservador, se ele tivesse silenciado a mídia para que Biden pudesse mais uma vez falar e perder….

Claro, o que todos esses contrafactuais deixaram passar foi que, se Trump tivesse instintos do tipo contenção e moderação, então ele não teria sido presidente em primeiro lugar. Apenas alguém extremamente audacioso, apenas alguém totalmente destituído de autoconsciência, apenas alguém incapaz de não estar na ofensiva rotineiramente teria a coragem de concorrer à presidência. E vencer. Trump tinha que ser Trump, para o bem e para o mal.

Sem dúvida, o maior problema para Trump era quando ele ia contra o tipo. Em particular, quando os conselheiros o convenceram a não ser ele mesmo. A visão aqui é que o fracasso de Trump em ser ele mesmo custou-lhe a Casa Branca e também trouxe muito sofrimento ao povo americano. Na verdade, os dois estão relacionados.

Para ver o porquê, é útil viajar no tempo até os dias e semanas anteriores aos lockdowns. O presidente Trump disse que o novo coronavírus “não era grande coisa”, mas a editora da Vogue Anna Wintour também. O prefeito de Nova York de Blasio ainda pegava o metrô para encorajar os cidadãos. Ele estava dizendo a eles para ver filmes também. O New York Times estava pregando cautela contra reações exageradas e a tomada de liberdades civis. O consenso entre as ideologias cruzadas era, relaxe.

Alguns dirão que ambos os lados estavam certos quando pregavam cautela. Imagine que o reflexivamente alarmista do New York Times tem regularmente relatado os fatos reais dentro de histórias com manchetes alarmistas e tendências alarmistas. Como tal, leitores cuidadosos do Times sabem há muito tempo que a taxa de hospitalização de pessoas infectadas com o vírus está abaixo de 1%, que as mortes relacionadas ao coronavírus nos Estados Unidos têm muito associado a pessoas já muito doentes e muito velhas em lares de idosos, e que, em um sentido amplo, a morte do vírus foi realmente morte com o vírus, considerando o fato fornecido pelo CDC de que algo ao norte de 90% daqueles que morreram com o vírus tinham outras doenças graves e fatais com as quais estavam lidando.

De volta a Trump, imagine se ele tivesse persistido em suas armas e permanecido em seu estado normal e barulhento. Se assim for, Trump sem dúvida teria forçado uma mudança na resposta que teria verdadeiramente salvado os EUA e o mundo de dores de cabeça desnecessárias, tragédia, fome e, presumivelmente, todos os três. Pense nisso.

Se Trump tivesse sido desdenhosamente Trump sobre a noção histericamente tola de lockdowns, seus modos contrários teriam dado aos governadores republicanos em todo o país a cobertura política para se manterem firmes da mesma forma. É seguro dizer que suas ações teriam capacitado alguns governadores democratas para evitar o desespero econômico como estratégia de mitigação de vírus.

Tão importante quanto, o que os EUA fazem é acompanhado de perto pelo resto do mundo. Se Trump deixa claro que os EUA não escolherão a contração econômica para combater o vírus, não é absurdo especular que Trump também teria fornecido cobertura política para líderes mundiais ansiosos por não fazer o que foi tão abjetamente tolo.

Nesse ponto, é uma aposta segura que as economias dos EUA e global ainda se contraiam um pouco no sentido do PIB. Eles teriam feito isso principalmente porque o PIB é informado pelo consumo, e é bem documentado que os americanos haviam ajustado seus hábitos de vida, alimentação e viagens bem antes dos trágicos e totalmente supérfluos lockdowns. Em outras palavras, os americanos não precisavam de uma lei para serem mais cautelosos.

O que é importante sobre isso é que a redução voluntária nos gastos dos americanos teria servido como combustível de foguete para uma rápida recuperação econômica que se teria revelado muito rapidamente como negócios abertos apoiados por maior acesso ao capital nascido da poupança ajustada a uma nova realidade. Traduzido para aqueles que precisam dele, um recuo natural dos americanos preocupados teria produzido os recursos necessários para uma recuperação naturalmente rápida.

Infelizmente, Trump não agiu como Trump. Posicionado para ser ele mesmo, e no processo marcando vitórias monumentais da variedade política, econômica e estadista, Trump perdeu a coragem. Sofremos em vários graus sua incapacidade de ser fiel a si mesmo em março passado até o dia de hoje. O problema é que Trump entrou em pânico.