Esse título parece ser bem emblemático no meio liberal, especialmente, pela rejeição de que há uma função social inerente à propriedade privada, que não corresponde ao desejo de não ao seu proprietário. E se eu te dissesse que, sim, a propriedade privada serve a um fim social, mas não da maneira que convencionam nos inúmeros manuais de Direito? Isto é, que não serve ao social de maneira exógena, mas, sim, endógena?

Em primeiro lugar, endógena neste contexto significa dentro do direito de propriedade, enquanto exógena é o seu oposto. E, isso, por sua vez, significa que a função social da propriedade é ser ela mesma — e não outra coisa.

A propriedade privada é fundadora da sociedade e age como um instituto, derivado de uma lei natural, no qual o homem consegue coordenar a sua vida econômica, cultural e política. Ou seja, possui uma definição objetiva. Por outro lado, a qualidade do fim social — qual seria este — é subjetiva.

Assim, este artigo explica para o que serve a propriedade privada e qual tratamento este direito já recebeu por diferentes sociedades ao longo da história. 

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRIVADA NO BRASIL

A Constituição Federal de 1988 determina que toda propriedade rural deve cumprir a função social de produzir e que a propriedade urbana deve exercer a função social de moradia. Porém, em suma, estas delimitações não passam de imposições administrativas.

Dessa forma, o direito pátrio, ao estipular que a propriedade, mesmo privada, deva estar vinculada a critérios de sociabilidade, relaciona essa condição à própria limitação existente no nosso direito. Ou seja, o fato de não existir direito absoluto, como vemos na questão da expropriação do patrimônio utilizado em algum crime.

Por exemplo, a apropriação da arma utilizada na hora do crime. No entanto, a limitação inserida pela função social, ao desvirtuar o caráter de inação estatal, produz o efeito de turbação propriamente dita.

Logo, ao estipular parâmetros de produção e de controle sobre a questão econômica, o estado reduz de maneira incongruente a liberdade à estrutura social a ponto de tornar-se o agente turbador: responsável pela violação da qual, em tese (dentro da noção de estado democrático de direito), ele deveria proteger os indivíduos.

Na prática, a função social da propriedade é empregada de maneira banal e por interesses e conveniências políticas, muito antes de atender à sociedade em si. Afinal, o estado utiliza de manobras hermenêuticas para descumprir o que deveria, de fato, cumprir: proteger o direito à propriedade privada.

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA ALEMANHA NAZISTA E NA UNIÃO SOVIÉTICA

Quando o Terceiro Reich tomou o poder, sob a liderança de Hitler, uma das primeiras mudanças legislativas foi, exatamente, a retirada de toda e qualquer garantia constitucional em relação à propriedade privada do povo alemão. Em geral, ficou estabelecido que a propriedade privada era uma concessão e não um direito.

Inclusive, em entrevista, Hitler afirmou que:

Quero que todos mantenham a propriedade que adquiriram para si conforme o seguinte princípio: o bem comum vem antes do interesse próprio. Mas o Estado deve manter o controle e cada proprietário deve se considerar um agente do Estado… O terceiro Reich sempre terá o direito de controlar os donos de propriedades.

Mais ao Oriente, na mesma época, a União Soviética (URSS) coletivizou todos os meios de produção, tornando-se dona de exatos 99,3% de todos os rendimentos nacionais do país. Além disso, a propriedade do estado era considerada sagrada. Assim, quem viesse a roubar, furtar ou esconder, seria considerado traidor da pátria, e, por isso, era condenado à morte por fuzilamento.

Dentre as consequências está Holomodor – a Grande Fome capitaneada por Josef Stálin –, que levou, pelo menos, 14,5 milhões de vidas na Ucrânia, de 1919 a 1933, segundo Robert Conquest, autor de The Harvest of Sorrow. A produção agrícola não cobria nem mesmo o sustento dos camponeses. 

Por fim, também, podemos ressaltar outras peculiaridades soviéticas, como os comitês gerais, que determinavam até quais seriam as descobertas científicas “favoráveis ao amanhecer dourado”. Ou seja, não havia espaço para pesquisa de fato, apenas ao direcionamento ideológico.

MISES E HAYEK EM DEFESA DA PROPRIEDADE PRIVADA

Ao citar apenas alguns pensadores, que fugiram de um destes dois regimes: Ludwig Von MisesF.A Hayek, Eric Voegelin – é possível afirmar que o desenvolvimento das ideias depende de um sistema forte e inerente voltado ao direito da propriedade privada. Infelizmente, alguns não tiveram o mesmo destino, como o historiador Marc Bloch.

Bloch, ciente de que estava na mira do regime totalitário nazista, escreveu o livro A Apologia da História, no qual afirmou:

Combatemos longamente, em conjunto, por uma história maior e mais humana. A tarefa comum, no momento em que escrevo, decerto sofre ameaças. Mas não por nossa culpa. Somos os vencidos provisórios de um injusto destino. Tempo virá, estou certo, em que nossa colaboração poderá verdadeiramente ser retomada: pública, como no passado, e, como no passado, livre.

PROPRIEDADE, LIBERDADE E ECONOMIA

Na prática, onde não há o ‘eu’ e não há liberdade, não há espaço para a economia. Assim, sem a propriedade privada não é possível calcular, diariamente, como satisfazer as nossas necessidades. Isto é, torna-se impossível realizar o cálculo econômico, como bem lembrado por Hayek e Mises. 

Outro grande nome da Escola Austríaca, Carl Menger, também escreveu sobre a natureza das trocas econômicas: 

O princípio que leva as pessoas à troca é simplesmente o que as conduz em toda atividade econômica, ou seja, o empenho em atender plenamente, se possível, às suas necessidades. O prazer que as pessoas sentem na troca econômica de bens é aquele sentimento geral de satisfação que costumam sentir quando percebem que, fazendo isso ou aquilo, conseguem atender melhor às suas necessidades que não o fazendo.

Nesse sentido, por meio da troca, os indivíduos percebem que a economia nada mais é do que um sistema complexo em que os agentes, dotados de racionalidade e escolha, desenvolvem e satisfazem as suas infinitas necessidades. Por essa razão, o mercado é um processo, e não uma entidade que age por conta própria.  

Contudo, para que exista a troca voluntária, é fundamental que exista a propriedade privada: aquilo que distingue, exatamente, o que é MEU e o que é SEU.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, vale lembrar também o fator identificado pelo historiador Richard Pipes:

 A redução dos direitos e liberdades pessoais nos estados totalitários, a ponto de serem abolidos, andava assim de mãos dadas com a redução, até a abolição, da propriedade privada. O processo progrediu mais ainda nos estados comunista, bem menos na Alemanha nazista e menos ainda na Itália fascista; mas nesses três países a luta pelo poder político total era acompanhada por determinados ataques aos direitos de posse privada.

A experiência totalitária confirma que, exatamente como a liberdade requer garantias de direito de propriedade, a luta pelo poder pessoal ilimitado sobre os cidadãos requer a subversão da autoridade do cidadão sobre as coisas, porque estas permitem ao cidadão evitar o confisco total pelo Estado.

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